novembro 19, 2007

5º Capítulo – A questão política

Quando Lucian Baudelaire deixou a França o país estava em conflito com a Inglaterra. A Guerra dos Cem Anos foi apenas uma briga entre homens a respeito de questões feudais. Porém, no início do século XV, o patriarca da família Braddock sofreu um atentando e foi encontrado morto em seu quarto. O vampiro escolhido parar substituí-lo era Zilan, um nobre que fora transformado pelo próprio Satidus. Era inexperiente e afoito por ser muito jovem.
Há séculos os antecedentes do clã Braddock possuíam uma disputa com Baudelaire pela influencia nas demais famílias. Nos últimos quinhentos anos Lucian se tornou poderoso a ponto de ter os principais patriarcas europeus a seus serviços. Encarregou Dimitre, a quem ele considerava um irmão, dos assuntos internos do clã Baudelaire. Ele começou a estabelecer alianças com os demais países. Um tratado foi assinado entre a França, Império Germânico e Itália garantindo o maior exército de vampiros nas mãos de Lucian, Johann Köhler e Tarik Mont Blanc.
Prevendo o risco de um conflito e sabendo que suas tropas não venceriam, Satidus assinou um acordo de paz com a França. Lucian deveria garantir o prestígio e a influencia dos nobres ingleses, em troca, a Inglaterra não cometeria atos violentos contra Baudelaire e seus aliados. Ao receber o trono, Zilan decidiu que não continuariam submissos a Lucian. Aproveitou a guerra dos homens para infiltrar um pequeno exército e atacar a mansão Baudelaire.
Nesta mesma época, Dimitre havia partido para uma escavação na Itália, onde os homens de Tarik haviam encontrado um esquife feito de mármore e cravejado de rubis. Lucian estava em Paris sustentando seus luxos e tratando de formalidades políticas. A notícia da destruição da mansão o obrigou a antecipar uma visita a Johann que estava programada para o mês seguinte. Exilou-se na Alemanha, revelando sua localização apenas para Caio Zayed, seu amigo e conselheiro bélico. Dois anos se completavam desde a chegada de Lucian na mansão de Johann. Os três vampiros aguardavam um ataque por parte do mercenário de Zilan, mas passavam-se meses e nada acontecia.
Uma noite, enquanto Lucian ensinava espanhol para Inefir na sacada de seu quarto, Caio resolveu cavalgar para não perder o hábito de fazer rondas. Preparou o corcel negro que sempre o servia quando estava na Alemanha. Montou e iniciou sua cavalgada em trote alucinado, seu objetivo era único, sair das terras protegidas por magia e sentir como o mundo se movimentava fora daquele sítio. Sabia que alguém estaria a sua espera e compreendia que a sua inquietude só passaria quando sangue alheio fosse derramado. A verdade é que ele sentia o cheiro de Osgliath desde o primeiro momento em que entrara em território germânico.
Os cascos de sua montaria não lhe ofereciam mais a rapidez da qual precisava. Desmontou e deixou o animal retornar ao estábulo sozinho. Aquela altura, Zayed já estava à frente do portão de ferro questionando-se se valia à pena colocar aqueles que estavam dentro da casa em risco e acabar com essa espera. Caso o mercenário não fosse derrubado por ele, Lucian o derrotaria facilmente, mas Johann e a menina poderiam ser mortos. Com a mão esquerda ele segura o cabo da cimitarra que estava presa a sua cintura, a direita empurra o portão.
Um pé após o outro e ele garante que suas pernas sejam firmes como raízes presas ao solo. Os olhos atentos não deixam que nada escape de sua vigília. Nessas situações, um leve sorriso sempre se desenhava em sua boca, revelando a sede insaciável pela caça. Vagarosamente ele vira e percebe que o portão se fecha em suas costas. Um vulto se movimenta rapidamente entre folhas e árvores. Ele desembainha a espada. Os olhos acompanham a sombra, os ouvidos captam os passos duros e ligeiros. Cada momento servia como um passo de aproximação. Ele o estudava, calculava seu peso e altura. O bater do corpo entre a folhagem serviam como modelo para que Caio imaginasse o inimigo.
Enfim ele investe contra um monte de galhos. A lâmina toca o alvo de raspão e prende-se em um tronco. O homem de um metro e noventa ergue o corpo em meio à escuridão, a pele extremamente escura reluz aos raios lunares e os olhos amarelados analisam Caio enquanto o fareja. Aproveitando a proximidade, o assassino acerta o punho fechado no rosto e é lançado para longe. Então ele reconhece os traços finos de Osgliath, a cabeça raspada carregava um djed tatuado.
A rapidez de Caio era incrível, ele gira como se pudesse flutuar e encrava a cimitarra na lateral esquerda do egípcio, que cai sem movimentos. Zayed puxa uma corda que estava amarrada a sua cintura e prepara-se para prender sua caça quando vê suas mãos transformando-se em garras. Os caninos crescem de forma desenfreada, alcançando a altura do queixo. A estrutura óssea se modifica, o rosto se torna mais alongado como o de um cachorro, os ombros ficam mais largos e os braços mais longos.
- Odeio metamórficos! – diz Caio.
Ele corre em direção à presa, tenta alcançar a espada, mas é lançado contra uma parede de pedra. Não satisfeito, ele levanta Zayed pelo pescoço e a rocha, cortando suas costas. Tendo como vantagem o contato, Caio acerta um soco no cabo dourado, empurrando a lâmina mais a fundo. O monstro ergue a pata direita e encrava as garras no abdômen do assassino. Temendo pela inconsciência ele estica o braço ao máximo, até encontrar a arma. Retira-a da barriga da criatura e a ergue acima de sua cabeça, acerta a nuca e atravessa a garganta. Osgliath tomba.
- Sabe Osgliath, eu tenho fome e confesso que, graças ao meu mestre, aprecio o sangue imortal. Mas tu não morrerás hoje, ainda há um seguidor de Anúbis a ser pego. Pamela pagará por aliar-se a Zilan. E quanto a tua existência, eu mesmo arrancarei a mãos nuas.
Amarra-o. Existia a sede, o cansaço, mas isso não era nada para aquele ser. Não sabia se o monstro estava em suas caças ou nele mesmo, apenas cumpria ordens, isso acalmava o restante de consciência que possuía. Já havia parado de indagar-se há séculos, suas perguntas eram incabíveis. Ele apenas sobrevivia. Por sorte encontra seu corcel na metade da caminhada. A esta hora, Osgliath já voltava ao seu estado normal, então ele o amarrou no cavalo e montou. “Boa caça” pensa Caio. Se aquele era o único mercenário que representava alguma concorrência, então ele era uma presa fácil. Logo seria abatido e Zayed estaria alimentado.
Lucian avista seu lacaio voltando com seu troféu. Pega Inefir pela mão e a retira da sacada para que ela não os veja, a leva ao quarto. Sorri gentilmente e a beija na testa:
- Durma, querida, estou exausto e preciso resolver muitos problemas amanhã.
- Não trabalhe muito, senhor. Problemas tendem a nos consumir e nós tendemos a aumentá-los.
- Tu estás certa, criança. Prometo que em três dias irei ensinar-lhe algo totalmente diferente do estudamos até hoje.
A garota se retira carregando meia dúzia de livros. Baudelaire abre seu guarda-roupa e retira uma espada longa e uma adaga média que estavam escondidas atrás de suas vestes. Coloca uma capa que o deixa em trajes mais formais e desce. Certifica-se de que o quarto de Inefir estava trancado. Do lado de fora da casa encontra Johann fumando e Caio imobilizando Osgliath.
- Caio, deixe-o livre. Osgliath não me atacará, ele ainda conhece limites e respeita algumas regras.
Zayed solta o mercenário que cai sem forças. Lucian puxa a cimitarra de sua nuca:
- Creio que não conseguirás falar hoje, mas não há problemas, assim Pamela terá mais tempo para chegar aqui, Se cooperares, juro não machuca-la, caso contrário, saiba que ela pagará por cada estupidez que cometeres. Ficarás no estábulo esta noite, aos cuidados de Zayed. Não te preocupe, ele não causará danos permanentes.
O árabe arrasta a caça até o estábulo. Lucian passa as mãos nos cabelos e, com um olhar, consulta Johann:
- Não o machuque, Lucian, não é necessário, ele está incapacitado de falar. Assim só enfurecerás a senhora do Nilo.
- Juro que ensinarei a Pamela como valoriza seus tratos. Eu lhe dei proteção por mais de três mil anos e ela envia este mercenário medíocre para caçar-me. Se ao menos não tivesse se aliado a Zilan, eu seria capaz de ignorar todo este circo. Mas quero ouvir seus motivos e a oferta que Braddock fez. Vamos entrar meu amigo. Não há muito a que fazer esta noite. Deixemos Caio trabalhar.
Antes de atravessarem a porta, Lucian dirige um último olhar a Caio. Eles eram capazes de dispensar uma longa conversar e abrevia-la pelos olhos. Baudelaire sobre para o escritório com montantes de cartas e papéis que separara para ler. Köhler vai até o quarto de Inefir, confirmar se a menina estava bem. Ao abrir a porta depara-se com sussurros e gritos abafados. O corpo infante se debate entre os lençóis da enorme cama. Os olhos abertos se mantêm adormecido, servindo de espelhos para que um outro alguém lhe refletisse a verdade. As mãos pareciam amarradas e os pulsos retorcidos. Lábios recorriam a alguma divindade que ele não compreendia.
- Lucian! Ajude-me ou logo mais tudo estará perdido! Ela não respira mais!
Ao ouvir cada palavra com clareza, Lucian atravessa o corredor como uma sombra que se desfaz ao vento. As mãos tateiam o ar dentro do quarto escuro, a boca engole cada palavra ininteligível da menina. Segurando sua testa e seu tronco ele a imobiliza.
- Eu o expulso! Esta menina não será objeto de tua palavra!
As pequenas mãos envolvem o pulso masculino, os olhos avermelhados o encaram:
- Ela está vindo cada vez mais rápido! Sua boca devora a noite e vomita almas, seus olhos nada vêem, mas trazem a morte e tu sabes de tudo o que ela é capaz. Faz do teu câncer o teu aliado e me dê o que é meu de direito. Este corpo me pertence, Otis!
Eis um nome que não tocava os ouvidos de Lucian há milênios. O corpo que antes demonstrava certa resistência se solta, aquela imagem diabólica de dissipa no ar. As mãos de Köhler sangram de tanto segurar a pequena Inefir. Ele senta na lateral da cama:
- Meu amigo, não sei exatamente o que foi esta cena horrível, mas sei que estás tão assustado quanto eu. Se não tens respostas para me dar, então confesso que não sei muito bem o que fazer.
- A mulher é Pamela, ela está chegando perto de nós. Mas como isso é possível? Não há ser que consiga cruzar tantos quilômetros tão rápido. A menos que ela já esperasse por isso, e creio que deva ter trazido seus melhores homens, talvez outros seguidores de Anúbis. Se Caio tivesse matado Osgliath, estaríamos dentro de um conflito armado neste exato momento. Existe alguma ligação entre este anubiano e a senhora do Nilo, foi este o motivo para que ela soubesse como chegar aqui.
- Devo ordenar que meus vampiros impossibilitem a sua passagem?
- Não, ela entraria do mesmo jeito. Deixe que ela venha a mim e negocie seu desertor. Eu a terei mais uma vez ao meu lado e farei com que o Egito me sirva por milênios mais.

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