Lucian completava seis meses de estadia na mansão Köhler. Há muito tempo ele não conseguia desligar-se de problemas e aproveitar a calma do campo. Na França sua vida era envolta por festas e compromissos sociais, a Alemanha garantia uma privacidade incrível. No primeiro mês recebera uma carta de Caio, seu aprendiz, dando as coordenadas do exército inglês. A cada mês ele enviava nova carta avisando sobre o exercito que reunia, caso fosse necessário atacar Zilan. Naquela manhã Lucian e Johann recolheram todas as informações que possuíam e sentaram-se no escritório formando estratégias de ataque, quando o mordomo bateu.
Johann levantou-se. Atendeu a porta e recebeu um envelope branco com o selo da família Van Kirsh em cera vermelha. Sentou-se, deslacrou a carta e leu calmamente. Depois encarou Lucian:
- Os papéis de tuas terras na Bavária estão prontos, a compra está feita.
- Então devemos buscar os comprovantes com teu amigo.
- Creio que isso não será possível. Joseph e sua esposa foram mortos há uma semana. Nossa visita será apenas um pesar, uma despedida.
- Eu sinto muito.
- Não é necessário, eram apenas humanos.
A frieza de Johann espantava Baudelaire. Era normal que os homens germânicos não fossem calorosos e demonstrassem sentimentos, mas Köhler era assustador. Ele havia criado o sistema de treinamento da guarda oculta alemã. A preparação selecionava apenas os homens que se encaixavam no perfil que ele julgava adequado, os demais eram mortos. Por isso cada vampiro escolhia minuciosamente sua criança, a falha desta era o fracasso do mestre também. A cada dez soldados que iniciavam o treino, apenas um sobrevivia. Seres humanos eram apenas gado para estes monstros que muitas vezes matavam e se alimentavam da própria espécie.
Na noite seguinte os dois tomaram um carro até Dresda acompanhados de um cocheiro e um serviçal. Foram instalados em um hotel próximo a casa dos Van Kirsh, mantiveram sua presença em segredo durante dois dias, o tempo em que Lucian estudava a cidade e observava as pessoas em longas caminhadas noturnas. A casa de Joseph estava vazia e sua herdeira dormia na casa do juiz de fé da cidade. Ocasionalmente, quando havia uma abertura da parte dos habitantes, Baudelaire fazia perguntas. O olhavam desconfiados, ele era um estrangeiro, embora não possuísse sotaque, sua fala era muito calma para um germânico.
Tudo o que conseguiu descobrir foi que o casal havia sido enterrado dois dias após suas respectivas mortes, não realizaram velório e os caixão não foram abertos. Lucian concluiu que havia algo extraordinário naquele assassinato, precisava encontrar o coveiro e ele mesmo estudar os corpos. Foi assim que, na segunda noite na cidade, Johann foi obrigado a sair de seu quarto. Alugaram dois cavalos e enviaram seu serviçal para subornar o coveiro a fim de desenterrar os conjugues. Na calada da noite, quando não transitava uma viva alma pela cidade, pegaram suas montarias e foram até o cemitério. Encontraram os dois esquifes colocados sobre o altar da capela e o coveiro ao lado.
- Tome, pelo teu silencio – Lucian entrega uma moeda de ouro ao homem.
Johann encara os caixões, eram feitos de madeira escura e possuíam cruzes esculpidas na tampa.
- Então, vamos abri-los, colocamos os corpos no chão – Köhler abriu a primeira tampa – Lucian, olhe isso.
Era Marie, a esposa, estava colocada de bruços e tinha um corte feito por espada desde o cóccix até a nuca. Havia uma marca estranha queimada acima do corte:
- O que tu achas, senhor, ela foi torturada?
- Não, Johann, é uma assinatura. Esta mulher foi morta por um mercenário, e pela perícia de corte, eu juraria que o assassino é da mesma linhagem de Caio. Olhe, chega até a coluna, mas é de uma leveza e paciência incríveis.
- Caio é persa, não é mesmo?
- Não, romano, mas foi batizado pela família Zayed, seu treinamento e arte são árabes. Vire-a, deixe-me olhar a garganta.
Ao virarem o corpo encontraram um corte na garganta. Lucian colocou seu dedo no ferimento e forçou-o até alcançar o esôfago, encontrou um pequeno triangulo de metal no fundo do tubo.
- Ela morreu lentamente, foi espancada e depois recebeu golpes de uma espada de lâmina cortante, logo não é européia. O último ferimento foi o da garganta, e aqui está à moeda da família Braddock. O olho de Rá, deus sol, já que Satidus era originado da região egípcia. Sinto lhe informar, mas nós matamos seu amigo indiretamente.
- Não há o que sentir Lucian, não foi um grande sacrifício. Ajude-me com este corpo, senhor.
Com pouco esforço os dois abriram a tampa do segundo caixão. Ficaram parados por algum tempo observando o corpo.
- Corrija-me se eu estiver errado, mas falta algo neste corpo.
- Sim, Johann, a cabeça foi arrancada. Isso é apenas o que os teus olhos podem ver, mas o corpo foi preenchido com feno. Não há um órgão dentro deste defunto.
- Por que apenas o corpo de Joseph estaria vazio?
- Porque ele foi deposto em um ritual – Lucian mostra um pequeno pentagrama no pulso do morto – Eis o símbolo de invocação. Eu arriscaria que foram dois assassinos, um mercenário e um demônio, uma fêmea.
- Te referes a um sucubus?
- Não faz sentido, não há um encaixe! Por que um Braddock negociaria com um sucubus? Aliás, por que contratar um mercenário e fazer acordo com um demônio?
Köhler faz silencio e olha para Lucian:
- Tu consegues ouvir?
- Cinco cavaleiros vêm da direção norte, acabaram de pegar a estrada, chegarão dentro de quinze minutos. Johann, rápido!
Eles montam com muita pressa, trotam em ritmo alucinante até o hotel. Chegando a dez metros da construção espantam os cavalos e continuam a pé. Utilizando de sua leveza, ambos arrastam seus corpos pelas paredes de pedra, entram pela janela do quarto. Limpam as botas e vestem camisolas. Aguardam durante meia hora. Um pulso irritante bate a porta e uma voz feminina extremamente aguda irrompe o cômodo.
- Mein Herr! Abra a porta.
Baudelaire levanta-se da cadeira e leva um livro a mão. Veste um roupão vermelho que estava pendurado em um cabideiro.
- Posso ajudá-la?
- Há cinco senhores na sala de estar que desejam vê-los.
- Já passa das doze horas, senhora, não irei recebê-los.
- Mas, senhor, são homens da lei.
- É melhor descermos, Lucian.
A senhora analisa Johann dos pés a cabeça. Surpresa, curva-se e o reverencia:
- Perdoe-me, senhor. Não sabia que tu estavas hospedado aqui. Caso tu queiras eu descerei e pedirei para os cavalheiros voltarem amanhã após o desjejum.
- Não será necessário. Nós desceremos em cinco minutos.
Baudelaire fecha a porta:
- São os mesmos cavaleiros que tentaram nos flagrar no cemitério, Johann. Mantenha a calma, provavelmente estão nos seguindo por sermos forasteiros e o coveiro deve ter dado informações sobre nossa visita. Como fui ingênuo, nosso comportamento levanta suspeitas, as minhas perguntas e o fato de chegarmos agora a cidade. Eles procuram um assassino.
Quando descem as escadas, Lucian e Johann deparam-se com cinco homens vestidos impecavelmente. O mais velho era Otto Bohrer, o juiz de fé da cidade, estava acompanhado por seus dois filhos, Ludwing, o mais velho, e Iam, ambos serviam a guarda da cidade. Os outros dois eram senhores responsáveis pela investigação das mortes, haviam sido enviados de Berlim. Hanz Kirchhof era um homem da Igreja e Fritz Schneider servia a guarda do império.
- Senhor Köhler, por que não noticiou tua chegada? – Otto era um homem em seus cinqüenta anos, os cabelos estavam totalmente grisalhos e os olhos opacos, sem brilho ou vida, a pele enrugava sobre seu nariz e extremidades.
- Preferi ser discreto, vim apenas para tratar de negócios, já que Joseph morreu e eu havia deixado alguns documentos com ele.
- Sim, as escrituras estão em minha casa. Eu recolhi tudo o que havia no escritório de Van Kirsh.
- Senhores, este é Lucian Baudelaire, de Paris. Ele está hospedado em minha casa, procura exílio. A França está em uma situação horrível.
- Seja bem-vindo, senhor Baudelaire. Já ouvi falar muito do senhor, creio que ouvi até exageros. Acredita que disseram que o rei lhe consultava antes de travar batalhas?
- Bem, meritíssimo, eu deixei Paris pois tive um pequeno desentendimento com minha alteza. Carlos VI é sábio, mostrou ser um aluno exemplar, mas cometeu um erro clássico. Entrou em guerra contra a Inglaterra, que logo será uma potencia maior que a França. Justamente quando mais precisava o rei não me ouviu.
- Bem – Otto parece extremamente desconcertado – Mas o senhor é muito novo.
- O juiz está se limitando a um olhar superficial. Lucian pertence a uma família tradicional, especializada em assuntos bélicos – Johann senta-se – Pois bem, vamos ao ponto. Já está muito tarde. O que os senhores desejam?
Fritz toma a frente. Ele era um mancebo metido a esperto, usava roupas gastas, um pouco foras de moda. Tinha pouco mais de um metro sessenta e um jeito de falar petulante:
- Estamos investigando a morte do senhor e da senhora Van Kirsh e os senhores são os únicos forasteiros que encontramos hospedados na cidade. Alguns moradores comentaram sobre o comportamento estranho do senhor Baudelaire, fazendo perguntas sobre o crime. Hoje, ao cair da tarde, o coveiro nos avisou sobre dois homens que pretendiam abrir os caixões da família Van Kirsh e haviam enviado seu lacaio para acertar um preço para ele desenterrar os corpos.
- Isto é muito fácil de explicar, senhores – Baudelaire chama a camareira e lhe pede xícaras com chá – Joseph Van Kirsh era o contador de Johann. Ele estava realizando uma compra de terras na Bavária no nome de meu amigo, mas que seriam utilizadas por mim. Recebemos a noticia do ocorrido e ficamos preocupados com os documentos que estão na casa do senhor juiz e, obviamente, com o crime. Fiz algumas perguntas, mas não sei nada a respeito dos caixões desenterrados. Isso tudo pode não passar dos delírios de um homem solitário.
Lucian encerra a frase com um leve sorriso no rosto. Aquela criatura possuía uma lábia espantadora, com apenas duas frases ele havia convencido a todos naquela sala. Nas conferencias internacionais Baudelaire era conhecido como a boca do diabo. Ele podia fazer uma pessoa pensar o que ele desejasse. Dez minutos de conversa desenrolaram-se em volta do crime. Johann levantou-se, andou até a lareira:
- E o que será feito da jovem Inefir?
- Por enquanto, ela está em minha casa, aos cuidados de minha esposa – responde o juiz – Dentro de alguns dias ela deve ser enviada para um orfanato.
- Mas isso é um insulto a memória de meu amigo!
- Veja bem, senhor Köhler, a menina não possui herança ou alguém que a queira. Um orfanato é o mais adequado.
- E a família? O nome Van Kirsh é tradicional, a família possui muita influencia.
- Sim, senhor, e é por isso que conseguiram que uma criança de pais excomungados fosse aceita em um orfanato católico. Mas a família não quer a filha de um pecador dentro de sua casa.
- Há algo errado, Joseph era religioso.
- Antes de Inefir nascer ele se desentendeu com o papa. A Igreja influenciou a todos que podia para que os negócios de Joseph falissem. Marie não abria mão de seus luxos. Em alguns anos ele se tornou um nobre decadente. A história foi mantida em segredo para preservar a honra da família, mas o pai de Joseph nunca mais o olhou nos olhos e nem assumiu Inefir como neta.
- Muito bem, senhores. Sinto interromper, mas já está tarde. Johann, devo me retirar.
- Sim, já está tarde. Amanhã passo em tua casa, senhor Bohrer, preciso de meus documentos. Boa noite.
Os senhores saem e Baudelaire se dirige ao fim do corredor do segundo andar, enquanto Köhler segue para o quarto ao lado. Lucian retira o roupão e a camisola, deita-se na cama desnudo. Não tinha necessidade de dormir, apenas não queria chamar mais atenção. Fechou os olhos e tentou se desligar de tudo, da guerra francesa, da traição Braddock, dos problemas com suas terras e com o surgimento de dois assassinos. Sentiu um leve toque subir por suas pernas por baixo das cobertas. Abriu os olhos e deparou-se com uma forma feminina de longos cabelos dourados que caiam em cachos. Tomou algum fôlego, mas a única palavra que se desprendeu de seus lábios foi “Hirithrin”.
A mulher deitou seu corpo nu sobre o tórax de Lucian, posicionou as coxas em torno de sua cintura e encaixou-se em seu membro. A medida que seus quadris se moviam, as pernas apertavam mais o corpo masculino, fazendo-o sufocar. Baudelaire tenta distinguir a realidade e a ilusão, tenta ignorar seu prazer. Aos poucos sente um cheiro ácido de pimenta tomar o quarto. Ergue as mãos e segura os cabelos da mulher:
- Sua víbora, nunca mais ouse tomar a forma de Hirithrin!
Uma cortina de nevoa parece se desfazer, seus ouvidos voltam a captar o som, do lado de fora da porta Johann tentava abri-la. Ao voltar os olhos a criatura que estava em seu quarto, ele percebe a transformação de pele em escamas e antes que possa definir uma forma, ela se desfaz em cinzas, deixando apenas uma mecha de cabelos dourados em sua mão. Köhler arromba a porta:
- Que diabos foi isso? Eu ouvi gritos ensurdecedores, agudos.
- Aquilo, meu amigo, foi a voz de Lilith, ela invocava um feitiço para cegar-me e ensurdecer-me. Agora eu entendi a estratégia de Zilan. Devemos partir amanhã a noite.
Ele joga a mecha fora, antes de tocar o chão ela se desintegra.
setembro 22, 2007
setembro 16, 2007
1º Capítulo - Monsieur Baudelaire
Império Sacro Romano Germânico – Ano 1407 d.C.
Noite fria e silenciosa, nada incomum para Johann. Era assim sempre, trancava-se em sua fazenda e esperava dias até sentir-se obrigado a sair e pegar um carro até a cidade. Seu compromisso, no entanto, fugia totalmente de sua rotina. Ele esperava uma visita formal, iria jantar com o senhor Joseph Van Kirsh, um amigo de muitos anos que iria avaliar suas posses e auxiliá-lo na compra de terras na Bavária. Seus empregados preparam um típico banquete germânico, respeitando o gosto refinado do convidado.
O senhor Johann Köhler era um homem distinto, um barão que honrava o escudo de sua família. Possuía cabelos negros que, normalmente, prendia em trança alcançando seus ombros. Seus olhos eram de um negror incomparável, mergulhados em seriedade e mistério. Possuía uma estatura mediana para sua origem saxônia, a pele era pálida, quase morta. Aparentava ter quarenta anos, mas nem a idade lhe fez necessários esposa e filhos.
O clã Köhler estava há quatro séculos na Germânia, eram responsáveis por mais da metade do desenvolvimento do país, mas poucos podiam vê-los. Normalmente, apenas seus serviçais, que eram escolhidos a dedo e deveriam passar sua vida inteira servindo-os.
Köhler serve-se de um pouco de vinho, senta-se a frente da lareira e chama seu mordomo.
- O senhor Van Kirsh cruzou o portão de entrada, deve chegar à frente da casa em dez minutos, quero que ele e sua família sejam recebidos à porta. Coloquem a mesa e sejam impecáveis. Peça ao cocheiro para desatrelar a carruagem e guardar os cavalos no meu estábulo. Sirva um pouco de vinho para o senhor e licor a sua senhora, quanto à criança, leve alguns biscoitos de gengibre e um pouco de chocolate quente. Avise que descerei em cinco minutos.
O mordomo se retira. Era comum que Johann soubesse da chegada de seus convidados sem que eles fossem anunciados. Aquelas eram as suas terras, seu refúgio, conhecia o cheiro de cada animal que andava sobre elas, conhecia a leveza de cada passo, o impacto de cada pata ou pé humano. Normalmente não gostava de visitas, só as recebia para tratar de negócios, quando seu contador não podia fazê-lo ou quando se tratava de algo extremamente pessoal. A compra das terras era um segredo, um negócio que deveria ser feito com cautela.
Joseph foi levado à sala de visitas, servido adequadamente, aguardava Johann sentado, tentando aquecer-se. Era um economista renomado, responsável pelas posses de muitos nobres do Império. Ele mesmo era um nobre, mas estava falido por causa das dívidas e luxos de sua mulher Marie. Sua pequena filha possuía nove anos, estudara com o pai desde os quatro. Já falava três línguas, alemão, francês e inglês. Seus dedos eram precisos ao tocar um piano, mas sua voz quase não era ouvida, mesmo ao dia-a-dia, ela sempre permanecia calada. Costumava trocar algumas palavras apenas com seu pai.
- Espero que o senhor tenha apreciado o vinho – Johann entra no cômodo – Um amigo enviou-me algumas garrafas da França.
- Recepção impecável, meu amigo, fico feliz em conhecer sua casa.
- Indelicadeza a minha não receber muitos convidados, mas viajo muito, por isso é mais prático visitá-los. O jantar está servido. Venham.
Sentaram-se junto à mesa e degustaram o jantar. Johann apenas os observava, tomando vinho e comendo poucos pedaços de carne bovina mal-passada. Conversaram sobre os últimos acontecimentos políticos e um pouco de moda. Marie falava das fofocas da nobreza, enquanto Köhler bocejava entediado, mas sorria para manter a compostura e não matar a mulher que não dava descanso a própria língua, dizendo futilidades. O que realmente lhe chamou atenção foi a menina, Inefir comia vagarosamente, não olhava para cima, os olhos cerrados acompanhavam a comida sendo elevada sobre o garfo e se fechavam levemente quando o talher chegava a boca.
Após o jantar todos foram até a sala de música onde Johann serviu-lhes licor e sentou-se junto ao piano. Seus dedos eram rápidos e o gosto por música refinado, tocou duas canções até que a criança levantou-se. Aproximou-se do piano e, encarando-o com uma segurança surpreendente, disse:
- O senhor me permite tocar? Isto é um dueto.
Ele se afasta dando espaço para a garota, com um ar superior ela coloca os dedinhos sobre as teclas de marfim, tão pálidas como a pele infantil. Johann dá a primeira nota, começa a canção, ela a executa divinamente, fechando os olhos e deixando que cada ponto harmônico a leva-se a nota seguinte. Os dentinhos mordem os lábios inferiores, aquilo era paixão, nada a menos. Por isso preservava as palavras, preferia descansar a língua e comunicar-se através das mãos, através daquela propagação esplendorosa de som. Köhler deixa que ela tome o controle da melodia, fecha os olhos e prova a mesma sensação, então ele diz:
- Use tua voz, quero ouvi-la. Apenas acompanhe a música com a tua voz, de forma delicada.
Inefir sente-se insegura, mas o pedido era irrecusável, algo naquele homem a atraia a ponto de obedecer a cada palavra. Ela deixa o ar passar entre a boca semi-aberta, os olhos reviram como se algo guiasse sua voz para o tom exato que Johann queria. O som era mais puro que o toque de água sobre a face de uma virgem, cada vibração daquelas cordas vocais soavam como o orgasmo da mais bela ninfa guardada por Gaia. Não era nada muito agudo, nem grave. Era suave, apenas isso. Não importava como ela deveria fazê-lo, apenas deixava sua vontade ultrapassar o limite de sua voz.
- Basta, pequena, foi o suficiente por hoje. Minhas mãos já estão velhas para acompanhar teu ritmo. Sente-se junto ao teu pai.
O barão já havia ouvido vários pianistas, mas nada se comparava aquela menina. O restante da visita foi formal. Até o momento em que o senhor Van Kirsh e Johann foram ao escritório.
- Caro Joseph, me perdoe por pedir que tratemos de negócios justamente nesta hora, mas creio que nossa transação seja complicada. – dizia enquanto retirava alguns papeis de um cofre embutido na parede – Como havia lhe instruído, as terras devem estar em meu nome, mas para todos os efeitos, serão usufruídas por outra pessoa.
- As terras que o senhor pretende comprar são de um conde, ele exige que o nome desta pessoa seja revelado. É apenas uma questão familiar, parece que ele possui desafetos com algumas famílias francesas, por isso dificultará a venda caso o senhor não possa lhe dar certeza de que o inquilino não pertença a estas famílias.
- Diga que o senhor Lucian Baudelaire precisa se retirar da França, graças ao comportamento hostil inglês. Estas guerras, apenas loucuras, lhe dou certeza de que não há uma razão plausível para tudo isso.
- Não questiono o que aqueles governantes consideram certo, eles sabem o que fazem.
- Desculpe-me, mas isso tudo é loucura. Meu amigo escolheu deixar sua terra natal por ter atritos com a nobreza, por discordar do conflito armado.
- Estranho, pela fama do senhor Baudelaire, ele é um excelente estrategista. A família vive da arte da guerra há muitas gerações.
- Sim, mas esta já completa setenta anos, ele mesmo disse,é uma guerra que dificilmente será vencida, a batalha vencerá os homens. Ele me pede refugio, apenas isso. Negou-se a ajudar o rei Carlos VI, tornou-se uma espécie de inimigo do reino. Mas eu confio no julgamento de Lucian, ele não se precipitaria a ponto de afrontar o rei sem ter razão.
- De qualquer forma, eu providenciarei todos os documentos até o próximo mês, se o senhor pudesse tratar pessoalmente com o conde adiantaria o processo de compra. Sei que não se sentirá a vontade viajando até a Bavária, mas eu julgo de extrema importância já que o pedido de teu amigo foi tão urgente.
- Sim, quanto antes melhor. O senhor Baudelaire chegará dentro de cinco dias e se hospedará nesta casa. Esperarei uma semana até que meu visitante esteja mais disposto e iremos os dois até a Bavária. Assim não haverá dúvida de que as terras serão compradas por uma pessoa distinta.
- Bem, já está muito tarde, devo me apressar ou a viagem até Dresda será desgastante e perigosa.
- Meu mordomo os acompanhará, desculpe-me a indelicadeza, mas já passa da minha hora de dormir – ele pega uma pequena sacola de couro que estava dentro do cofre – Isso irá lhe auxiliar durante a transação. Quanto mais rápido fecharmos o negócio, maior será o teu pagamento.
- Obrigado, senhor Köhler, saberei cumprir as tuas expectativas.
Joseph desce as escada com a sensação de que Johann estaria logo atrás, mas ao voltar-se não vê nada, apenas um corredor velho com algumas pinturas nas paredes. Ele continua com passos inseguros, sempre observando ao redor para certificar-se de que nenhum mal mortal o atingisse. Apenas tolices, ele havia sido convidado, Köhler não deixaria a casa seguir a própria vontade. Chegando a sala, a família Van Kirsh foi levada até a carruagem e seguiu seu destino.
A cada dia que se passava desde o inicio da guerra entre Inglaterra e França, Köhler via-se obrigado a tomar partido. Não era simplesmente uma rixa entre dois países. Existiam interesses obscuros, pessoas mais poderosas que reis que apenas enviavam ordens aos governos.
- Acalme-se, Johann, não sentirão minha falta na França. Passei os últimos meses trancado em minha casa.
Um homem sai de um canto do quarto, desloca-se próximo as paredes. Possuía dois metros de altura, cabelos longos e negros caiam até sua cintura e, mesmo coberto pela escuridão, percebia-se a pele alva.
- Descanse, senhor, não o esperava, mas é sempre uma honra tê-lo em minha casa. Sinto muito por não recebe-lo adequadamente, mas o servirei da melhor forma possível.
Lucian Baudelaire era o principal nome da Europa. Muitos homens ricos e poderosos o respeitavam e chegavam a trata-lo como um mestre. Dentro da França suas riquezas ultrapassavam as da coroa e, em sigilo mortal, suas decisões políticas estavam acima do rei. Aparentava apenas vinte anos, mas carregava sabedoria em suas palavras e transmitia um ar experiente. Os olhos verdes e opacos carregavam milênios e mágoas.
- Meu bom e fiel amigo Johann, agradeço por tê-lo como meu aliado. Saibas que perdemos muito, se adiantei minha vigem foi por causa de uma traição. – ele senta em um divã próximo a janela – Esperei décadas até este momento, não me permiti adormecer como aqueles que nasceram junto a mim, apenas esperando este dia. Meu pai sempre me disse que tudo seria calmo, lento, mas que cada fato seria um passo até a luta da qual não posso fugir. O clã Braddock nos traiu.
Köhler apóia-se em uma cadeira, senta-se lentamente, sua expressão muda te tal forma que aquele líder seguro da espaço a um homem assustado. Os olhos procuram respostas no rosto do amigo:
- Lucian, como puderam jogar fora o tratado? Aqueles presunçosos! Jogaram décadas de paz fora, como se não fossem nada!
- Eu confesso que não esperava uma atitude diferente de Zilan. Ele tomou as rédeas da família há uma semana, aproveitou-se da guerra entre a França e a Inglaterra, mandou cem homens atacarem meu castelo. Sua inexperiência é enorme, ele realmente acreditou que cem homens de sua guarda comum poderiam me derrubar.
- Satidus nunca permitiria isso! Ele não fez nada?
- Satidus foi morto. – a face de mármore de Lucian é quebrada por uma única lágrima que se precipita de seus olhos – Ainda não descobrimos o que aconteceu de fato, mas encontraram-no em seu quarto, próximo a lareira. Eu recolhi o corpo, ordenei que Zychnyr não deixasse outras pessoas vê-lo. Homens de linhagem antiga guardam muitos segredos em sua morte. Enfim, apenas seguimos o protocolo. Zilan era a criança treinada para suceder Satidus, mas creio que ele não esteja pronto.
- Zilan é apenas um moleque! Demônios! Ele não é capaz de governar a Inglaterra.
Quando o feudalismo foi instalado na Europa, Lucian convocou um conselho para decidir o destino dos vampiros. Satidus considerava o governo humano fraco, por isso projetou uma espécie de estado secreto, comandado por vampiros, disfarçados em famílias nobres. A forma de governo humana não seria alterada, poderia ser uma monarquia, império, democracia, não importava, o real poder estaria nas mãos daqueles que caminhavam entre as sombras. Eles interviriam sempre que o Estado fosse contra os interesses das criaturas da noite.
Cada país teria uma família. Baudelaire ocupou a França, os Braddock tomaram a Inglaterra. Com o tempo, a Inglaterra perdeu poder para a França e Lucian se tornou o líder mais respeitado e temido da Europa. Conflitos começaram a surgir e fugiram do controle dos governantes. A única saída foi um tratado de paz. O novo relacionamento entre os dois países era a menina dos olhos de Lucian e Satidus. O comércio crescia rapidamente, a Alemanha se colocava de forma pacifica com os dois países, já que dependia em boa parte dos produtos ingleses e franceses.
Johann se recompôs, serviu-se uma taça de licor e outra para Lucian.
- Não há muito que possa ser feito agora. Eu tenho imensa honra em recebe-lo, Baudelaire. Fique aqui até que seu país esteja totalmente seguro.
- Aguardo notícias de Caio, ele está voltando da Romênia. Assim que minha criança chegar, iremos reaver minhas terras e acabar com a prepotência de Zilan. Entendo que muito poder em mãos jovens resulte em erros, mas não posso ignorar uma falha como esta.
Noite fria e silenciosa, nada incomum para Johann. Era assim sempre, trancava-se em sua fazenda e esperava dias até sentir-se obrigado a sair e pegar um carro até a cidade. Seu compromisso, no entanto, fugia totalmente de sua rotina. Ele esperava uma visita formal, iria jantar com o senhor Joseph Van Kirsh, um amigo de muitos anos que iria avaliar suas posses e auxiliá-lo na compra de terras na Bavária. Seus empregados preparam um típico banquete germânico, respeitando o gosto refinado do convidado.
O senhor Johann Köhler era um homem distinto, um barão que honrava o escudo de sua família. Possuía cabelos negros que, normalmente, prendia em trança alcançando seus ombros. Seus olhos eram de um negror incomparável, mergulhados em seriedade e mistério. Possuía uma estatura mediana para sua origem saxônia, a pele era pálida, quase morta. Aparentava ter quarenta anos, mas nem a idade lhe fez necessários esposa e filhos.
O clã Köhler estava há quatro séculos na Germânia, eram responsáveis por mais da metade do desenvolvimento do país, mas poucos podiam vê-los. Normalmente, apenas seus serviçais, que eram escolhidos a dedo e deveriam passar sua vida inteira servindo-os.
Köhler serve-se de um pouco de vinho, senta-se a frente da lareira e chama seu mordomo.
- O senhor Van Kirsh cruzou o portão de entrada, deve chegar à frente da casa em dez minutos, quero que ele e sua família sejam recebidos à porta. Coloquem a mesa e sejam impecáveis. Peça ao cocheiro para desatrelar a carruagem e guardar os cavalos no meu estábulo. Sirva um pouco de vinho para o senhor e licor a sua senhora, quanto à criança, leve alguns biscoitos de gengibre e um pouco de chocolate quente. Avise que descerei em cinco minutos.
O mordomo se retira. Era comum que Johann soubesse da chegada de seus convidados sem que eles fossem anunciados. Aquelas eram as suas terras, seu refúgio, conhecia o cheiro de cada animal que andava sobre elas, conhecia a leveza de cada passo, o impacto de cada pata ou pé humano. Normalmente não gostava de visitas, só as recebia para tratar de negócios, quando seu contador não podia fazê-lo ou quando se tratava de algo extremamente pessoal. A compra das terras era um segredo, um negócio que deveria ser feito com cautela.
Joseph foi levado à sala de visitas, servido adequadamente, aguardava Johann sentado, tentando aquecer-se. Era um economista renomado, responsável pelas posses de muitos nobres do Império. Ele mesmo era um nobre, mas estava falido por causa das dívidas e luxos de sua mulher Marie. Sua pequena filha possuía nove anos, estudara com o pai desde os quatro. Já falava três línguas, alemão, francês e inglês. Seus dedos eram precisos ao tocar um piano, mas sua voz quase não era ouvida, mesmo ao dia-a-dia, ela sempre permanecia calada. Costumava trocar algumas palavras apenas com seu pai.
- Espero que o senhor tenha apreciado o vinho – Johann entra no cômodo – Um amigo enviou-me algumas garrafas da França.
- Recepção impecável, meu amigo, fico feliz em conhecer sua casa.
- Indelicadeza a minha não receber muitos convidados, mas viajo muito, por isso é mais prático visitá-los. O jantar está servido. Venham.
Sentaram-se junto à mesa e degustaram o jantar. Johann apenas os observava, tomando vinho e comendo poucos pedaços de carne bovina mal-passada. Conversaram sobre os últimos acontecimentos políticos e um pouco de moda. Marie falava das fofocas da nobreza, enquanto Köhler bocejava entediado, mas sorria para manter a compostura e não matar a mulher que não dava descanso a própria língua, dizendo futilidades. O que realmente lhe chamou atenção foi a menina, Inefir comia vagarosamente, não olhava para cima, os olhos cerrados acompanhavam a comida sendo elevada sobre o garfo e se fechavam levemente quando o talher chegava a boca.
Após o jantar todos foram até a sala de música onde Johann serviu-lhes licor e sentou-se junto ao piano. Seus dedos eram rápidos e o gosto por música refinado, tocou duas canções até que a criança levantou-se. Aproximou-se do piano e, encarando-o com uma segurança surpreendente, disse:
- O senhor me permite tocar? Isto é um dueto.
Ele se afasta dando espaço para a garota, com um ar superior ela coloca os dedinhos sobre as teclas de marfim, tão pálidas como a pele infantil. Johann dá a primeira nota, começa a canção, ela a executa divinamente, fechando os olhos e deixando que cada ponto harmônico a leva-se a nota seguinte. Os dentinhos mordem os lábios inferiores, aquilo era paixão, nada a menos. Por isso preservava as palavras, preferia descansar a língua e comunicar-se através das mãos, através daquela propagação esplendorosa de som. Köhler deixa que ela tome o controle da melodia, fecha os olhos e prova a mesma sensação, então ele diz:
- Use tua voz, quero ouvi-la. Apenas acompanhe a música com a tua voz, de forma delicada.
Inefir sente-se insegura, mas o pedido era irrecusável, algo naquele homem a atraia a ponto de obedecer a cada palavra. Ela deixa o ar passar entre a boca semi-aberta, os olhos reviram como se algo guiasse sua voz para o tom exato que Johann queria. O som era mais puro que o toque de água sobre a face de uma virgem, cada vibração daquelas cordas vocais soavam como o orgasmo da mais bela ninfa guardada por Gaia. Não era nada muito agudo, nem grave. Era suave, apenas isso. Não importava como ela deveria fazê-lo, apenas deixava sua vontade ultrapassar o limite de sua voz.
- Basta, pequena, foi o suficiente por hoje. Minhas mãos já estão velhas para acompanhar teu ritmo. Sente-se junto ao teu pai.
O barão já havia ouvido vários pianistas, mas nada se comparava aquela menina. O restante da visita foi formal. Até o momento em que o senhor Van Kirsh e Johann foram ao escritório.
- Caro Joseph, me perdoe por pedir que tratemos de negócios justamente nesta hora, mas creio que nossa transação seja complicada. – dizia enquanto retirava alguns papeis de um cofre embutido na parede – Como havia lhe instruído, as terras devem estar em meu nome, mas para todos os efeitos, serão usufruídas por outra pessoa.
- As terras que o senhor pretende comprar são de um conde, ele exige que o nome desta pessoa seja revelado. É apenas uma questão familiar, parece que ele possui desafetos com algumas famílias francesas, por isso dificultará a venda caso o senhor não possa lhe dar certeza de que o inquilino não pertença a estas famílias.
- Diga que o senhor Lucian Baudelaire precisa se retirar da França, graças ao comportamento hostil inglês. Estas guerras, apenas loucuras, lhe dou certeza de que não há uma razão plausível para tudo isso.
- Não questiono o que aqueles governantes consideram certo, eles sabem o que fazem.
- Desculpe-me, mas isso tudo é loucura. Meu amigo escolheu deixar sua terra natal por ter atritos com a nobreza, por discordar do conflito armado.
- Estranho, pela fama do senhor Baudelaire, ele é um excelente estrategista. A família vive da arte da guerra há muitas gerações.
- Sim, mas esta já completa setenta anos, ele mesmo disse,é uma guerra que dificilmente será vencida, a batalha vencerá os homens. Ele me pede refugio, apenas isso. Negou-se a ajudar o rei Carlos VI, tornou-se uma espécie de inimigo do reino. Mas eu confio no julgamento de Lucian, ele não se precipitaria a ponto de afrontar o rei sem ter razão.
- De qualquer forma, eu providenciarei todos os documentos até o próximo mês, se o senhor pudesse tratar pessoalmente com o conde adiantaria o processo de compra. Sei que não se sentirá a vontade viajando até a Bavária, mas eu julgo de extrema importância já que o pedido de teu amigo foi tão urgente.
- Sim, quanto antes melhor. O senhor Baudelaire chegará dentro de cinco dias e se hospedará nesta casa. Esperarei uma semana até que meu visitante esteja mais disposto e iremos os dois até a Bavária. Assim não haverá dúvida de que as terras serão compradas por uma pessoa distinta.
- Bem, já está muito tarde, devo me apressar ou a viagem até Dresda será desgastante e perigosa.
- Meu mordomo os acompanhará, desculpe-me a indelicadeza, mas já passa da minha hora de dormir – ele pega uma pequena sacola de couro que estava dentro do cofre – Isso irá lhe auxiliar durante a transação. Quanto mais rápido fecharmos o negócio, maior será o teu pagamento.
- Obrigado, senhor Köhler, saberei cumprir as tuas expectativas.
Joseph desce as escada com a sensação de que Johann estaria logo atrás, mas ao voltar-se não vê nada, apenas um corredor velho com algumas pinturas nas paredes. Ele continua com passos inseguros, sempre observando ao redor para certificar-se de que nenhum mal mortal o atingisse. Apenas tolices, ele havia sido convidado, Köhler não deixaria a casa seguir a própria vontade. Chegando a sala, a família Van Kirsh foi levada até a carruagem e seguiu seu destino.
A cada dia que se passava desde o inicio da guerra entre Inglaterra e França, Köhler via-se obrigado a tomar partido. Não era simplesmente uma rixa entre dois países. Existiam interesses obscuros, pessoas mais poderosas que reis que apenas enviavam ordens aos governos.
- Acalme-se, Johann, não sentirão minha falta na França. Passei os últimos meses trancado em minha casa.
Um homem sai de um canto do quarto, desloca-se próximo as paredes. Possuía dois metros de altura, cabelos longos e negros caiam até sua cintura e, mesmo coberto pela escuridão, percebia-se a pele alva.
- Descanse, senhor, não o esperava, mas é sempre uma honra tê-lo em minha casa. Sinto muito por não recebe-lo adequadamente, mas o servirei da melhor forma possível.
Lucian Baudelaire era o principal nome da Europa. Muitos homens ricos e poderosos o respeitavam e chegavam a trata-lo como um mestre. Dentro da França suas riquezas ultrapassavam as da coroa e, em sigilo mortal, suas decisões políticas estavam acima do rei. Aparentava apenas vinte anos, mas carregava sabedoria em suas palavras e transmitia um ar experiente. Os olhos verdes e opacos carregavam milênios e mágoas.
- Meu bom e fiel amigo Johann, agradeço por tê-lo como meu aliado. Saibas que perdemos muito, se adiantei minha vigem foi por causa de uma traição. – ele senta em um divã próximo a janela – Esperei décadas até este momento, não me permiti adormecer como aqueles que nasceram junto a mim, apenas esperando este dia. Meu pai sempre me disse que tudo seria calmo, lento, mas que cada fato seria um passo até a luta da qual não posso fugir. O clã Braddock nos traiu.
Köhler apóia-se em uma cadeira, senta-se lentamente, sua expressão muda te tal forma que aquele líder seguro da espaço a um homem assustado. Os olhos procuram respostas no rosto do amigo:
- Lucian, como puderam jogar fora o tratado? Aqueles presunçosos! Jogaram décadas de paz fora, como se não fossem nada!
- Eu confesso que não esperava uma atitude diferente de Zilan. Ele tomou as rédeas da família há uma semana, aproveitou-se da guerra entre a França e a Inglaterra, mandou cem homens atacarem meu castelo. Sua inexperiência é enorme, ele realmente acreditou que cem homens de sua guarda comum poderiam me derrubar.
- Satidus nunca permitiria isso! Ele não fez nada?
- Satidus foi morto. – a face de mármore de Lucian é quebrada por uma única lágrima que se precipita de seus olhos – Ainda não descobrimos o que aconteceu de fato, mas encontraram-no em seu quarto, próximo a lareira. Eu recolhi o corpo, ordenei que Zychnyr não deixasse outras pessoas vê-lo. Homens de linhagem antiga guardam muitos segredos em sua morte. Enfim, apenas seguimos o protocolo. Zilan era a criança treinada para suceder Satidus, mas creio que ele não esteja pronto.
- Zilan é apenas um moleque! Demônios! Ele não é capaz de governar a Inglaterra.
Quando o feudalismo foi instalado na Europa, Lucian convocou um conselho para decidir o destino dos vampiros. Satidus considerava o governo humano fraco, por isso projetou uma espécie de estado secreto, comandado por vampiros, disfarçados em famílias nobres. A forma de governo humana não seria alterada, poderia ser uma monarquia, império, democracia, não importava, o real poder estaria nas mãos daqueles que caminhavam entre as sombras. Eles interviriam sempre que o Estado fosse contra os interesses das criaturas da noite.
Cada país teria uma família. Baudelaire ocupou a França, os Braddock tomaram a Inglaterra. Com o tempo, a Inglaterra perdeu poder para a França e Lucian se tornou o líder mais respeitado e temido da Europa. Conflitos começaram a surgir e fugiram do controle dos governantes. A única saída foi um tratado de paz. O novo relacionamento entre os dois países era a menina dos olhos de Lucian e Satidus. O comércio crescia rapidamente, a Alemanha se colocava de forma pacifica com os dois países, já que dependia em boa parte dos produtos ingleses e franceses.
Johann se recompôs, serviu-se uma taça de licor e outra para Lucian.
- Não há muito que possa ser feito agora. Eu tenho imensa honra em recebe-lo, Baudelaire. Fique aqui até que seu país esteja totalmente seguro.
- Aguardo notícias de Caio, ele está voltando da Romênia. Assim que minha criança chegar, iremos reaver minhas terras e acabar com a prepotência de Zilan. Entendo que muito poder em mãos jovens resulte em erros, mas não posso ignorar uma falha como esta.
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