novembro 27, 2007

6º Capitulo – A Senhora Egípcia

Caio passara a noite cuidando da segurança de Osgliath. A verdade é que quando Lucian ordenou que ele fosse vigiado, não temia uma fuga. A qualquer momento Lilith poderia entrar no estábulo e matá-lo, tentando proteger seus planos futuros. Quando o dia estava a apenas uma hora da fazenda, Zayed prendeu o egípcio em um caixão feito de madeira e amarrado a correntes, deixou enterrado no meio do campo e desenhou um grande círculo com pó de ossos. Não havia muita magia naquele assassino árabe. As certezas que ele tinha estavam consagradas em sua espada, mas o pouco que guardava de ocultismo, era de uma origem especial, em sua maior parte de proteção e fechamento de corpos.
Não obstante de que este pequeno ritual iria manter um demônio longe de sua presa, enterrou-se a dois passos do caixão. O dia veio e a tarde passou e a noite se deitou nos campos congelados. Inefir passara o dia sozinha, sem esperar muitas respostas pelos sonhos da noite anterior, sem ao menos se perguntar se haviam significados. Preferiu gastar o dia lendo. À noite, enquanto tentava esquentar-se próxima à lareira, sentiu uma vontade de comer trufas com uma xícara de chocolate quente. Esse era o pequeno mimo que Lucian fazia a ela, encomendava os melhores bombons trufados da França. O chocolate quente era um costume, um modo de suportar as noites tão frias.
Os pezinhos brancos e enroladinhos de frio tocaram a pedra que, aquela altura, tinha a mesma temperatura que uma pedra de gelo. Ela correu até o baú em frente à cama e retirou uma meia, a calçou desesperadamente e vestiu-se um sapato qualquer. Na cabideira próxima a porta havia um grande casaco verde com capuz e forro de pêlo que lhe serviu bem. Abriu a porta, tomando um grande gole de coragem, saiu correndo pelo corredor. "A cozinha deve estar quentinha", ela pensou enquanto se apressava. Ao chegar à metade da escadaria ela percebeu um vulto no canto do hall. Pensou em voltar e esquecer o lanche noturno, mas a figura a intrigou.
- Quem está aí? Caio? Es tu, senhor?
Um vento aterrador invadiu o cômodo, transformando as cortinas em grandes dedos que tentavam alcançar Inefir. A luz da lua mostrou uma espádua feminina coberta por colares de ouro tão dourados que sugavam olhares. Os seios estavam à mostra, levemente cobertos pelos longos cabelos de ébano que desciam por suas costas e ombros. Devia possuir 1,75m de altura. Em sua cintura estavam presos uma saia de algodão cru e um cinto de ouro. Ela deu um passo à frente e deixou que a voz calma tomasse conta da casa.
- Vim buscar o que me pertence. Procuro Lucian, ele deve me devolver meu guerreiro. – Inefir continua petrificada – Escute menina, não tenho a noite toda! Ande!
- Meça palavras ao falar com minha filha, Pamela – Johann desce as escadas – Ela não é tua súdita e nunca o será. Essa criança possui muito mais conhecimentos e capacidade que tu irás possuir em toda a tua existência, ou acreditas que a tua origem inferior poderá tocar a minha dinastia? Não seja tola.
Como um bom germânico, Johann Köhler acreditava que era superior por sua origem nobre anglo-saxônica. Sempre tratou Pámela como um peso morto entre os vampiros. Ela não lutava, não possuía de fato um exercito e só trazia prejuízos financeiros a Lucian, que assumia a responsabilidade de manter o padrão de vida de seus aliados.
- O senhor Baudelaire descerá em breve. Aguarde na sala de visitas.
- Johann, eu exijo um pouco mais de respeito.
- Perdoe meu amigo – Lucian aparece – Mas é que cometes uma terrível gafe ao levantar a voz para a pequena Van Kirsh. Vamos tratar de negócios.
Baudelaire trazia uma vela em sua mão, as luz ilumina o rosto de Pamela. Inefir vê uma faixa em volta dos olhos da mulher. Antes que possa questionar, Johann a carrega e a leva até a cozinha, onde prepara o chocolate quente e serve algumas trufas em um prato. Ela senta em uma cadeira e seus pés ficam pendurados e balançando.
- O que ela tinha nos olhos, senhor?
- Sabe Inefir, o mais incomodo nas crianças é a curiosidade inocente que possuem. Pamela não pode enxergar, há muitos anos seus olhos se tornaram debilitados.
- Como ela ficou cega?
- Lembra as coisas que Lucian lhe ensinou sobre a Igreja e a sociedade? Pois bem, os olhos dela foram mais uma conseqüência das tentativas que o cristianismo fez para controlar o povo.
- E como ela pode sobreviver sem enxergar? Não vi ninguém que a acompanhasse.
- Alguns seres fazem de seus defeitos armas que os protejam. Ela encontrou um meio mais interessante que a visão. Agora chega de perguntas, menina. Não podes saber de tudo – ele sorri – Coma e eu a levarei para dormir.
O escritório parecia pequeno para o mal estar que a companhia de Lucian causava em Pamela. Seus olhos desvanecidos pareciam mapear sua mente, desnorteando-a e deixando-a a mercê de sua raiva. Ela podia lembrar cada palavra que Zilan dissera em sua visita, o sorriso cínico de Baudelaire reforçava as acusações amargas. Aquilo a consumia a ponto de derramar ódio por seus olhos, transparecer sua vontade de acabar com aquela submissão. Ele já era mais calmo, experiente. Apenas a encarava separando alguns papéis sem a menor pressa, sem exprimir sentimentos, aguardando o momento adequado para uma aproximação.
- Senhor, não tenho toda a noite. Se tu desejas me dizer algo ou cobrar-me, faça-o.
- Ora, eis que não precisei rezar a minha ladainha, chegaste ao ponto que eu desejava. Fale-me de Zilan.
- O que tu pretendes com este circo? Sei que te sentes traído! Pois bem, estou a tua frente, tenha a tua vingança.
- Sei que parece simples, mas não é de fato. Nossa aliança durou séculos, nunca fizeste nada que eu reprovasse e eu nunca permiti que o Egito fosse atingido pelos interesses europeus. Ao contrário, me preocupei em colocá-la em uma posição neutra e nenhum país ousaria ataca-la sabendo que eras minha protegida. Não questiono que tenhas escolhido a Inglaterra. Os Braddock são os únicos capazes de desestruturar o meu poderio temporariamente. A grande pergunta é como pretendes sobreviver após este conflito?
Pamela sente-se perdida, olha para o chão, tenta entender como chegou aquele exato momento. Lucian se aproveita e levanta, coloca-se ao lado dela, a altura de seus olhos. Tocando seu queixo, ele levanta o rosto da egípcia e a encara.
- Te intrometeste em uma guerra de titãs. Quando isto terminar, Zilan cuidará de seu país e eu lhe virarei as costas. Não demorará muito para que os Zayed busquem a tua cabeça a mando de Vicious. O sangue de Satidus que transborda por tuas veias não valerá nada, pois Zilan nunca se importou com estas ligações. Como esperas manter o teu país falido?
- Quando Zilan pisou em minha casa eu não imaginava por que ele estaria me procurando. Logo que ouvi teu nome pude entender. Ele me contou sobre as desgraças que Satidus manteve em segredo, sobre as tuas traições. Então me mostrou as relíquias de nosso mestre. Não se trata apenas do poderio das entidades egípcias ou de nossas religiões. Ele me trouxe objetos de invocação capazes de atiçar o próprio Leviatã. Queria a minha ajuda, e eu não poderia dá-la. Mas havia algo que eu tinha que lhe interessava muito, um livro. Pediste que eu guardasse uma espécie de diário que nenhum vampiro de geração recente é capaz de ler. Sabe, eu me enganei, Zilan o leu para mim. Nós começamos a definhar, não é mesmo? É isso que a morte de Satidus indica, os anciões estão sendo destruídos. Tarik sofreu um atentado, Vicious está cansado. Os vampiros mais jovens como Caio, Osgliath, Zilan, Zychnyr, Margot sabem o que fazer. Mas eu não sei, estive muito ocupada com a preservação de minha linhagem. Ele me ofereceu uma aliança, algo que me manteria intacta depois que tu te fosses. Não vi outra saída.
Lucian fica surpreso, aqueles motivos fugiam de suas expectativas.
- O livro, tu o entregaste para Zilan?
- Não, ele era a minha garantia de que não seria usada. Precisava de algo para manter o controle da situação.
- Escute, Pamela, ninguém me derrubará. Depois decidirei o que fazer a respeito de nossa aliança, por enquanto apenas colocarei Zilan em seu devido lugar. Se queres saber se estamos definhando, estamos sim. Prova disso é que Zilan parece-me ter assassinado o próprio mestre para tomar seu lugar.
- E quanto à profecia? E quanto ao esquife que encontraram na Itália? Dizem que a loucura divina se voltará contra nós.
- Fale baixo – ele sussurra – Lilith está próxima, podes despertar outros interesses ao citar estes segredos. Por hora, lhe garanto que não há nada demais nestes achados. O caixão estava vazio, mas era santificado. Nenhum vampiro se aproximou dele. Fique tranqüila.
- Perdoe-me por ter fraquejado.
- És minha família. Eu honro todos aqueles que provem de meu pai e a geração seguinte aos meus irmãos. Menos Zilan, ele sentirá minha fúria. Agora vá, Caio já deve ter recebido ordens para libertar Osgliath. Diga-me apenas uma coisa, vistes Lilith por perto?
- Ela está no Bavária com um mancebo que sempre leva a tira colo.
- Como ele é?
- Em nossa presença vestia máscaras e roupas pesadas. Pude apenas ver seus olhos de um extremo azul, carregados de dor.
Sem dizer nada ele ergue a mão e acena para que ela se retire. Nada parece estar em seu lugar, não há certezas sobre o envolvimento de Lilith. Também existe a preocupação com Inefir e a possessão da noite anterior. De fato, Zilan não seu maior problema. Retira um fumo de sua casaca, a acende e fuma apressado. Vai até a janela, vê Pamela indo embora com Osgliath e Caio em pé na escadaria. Sentindo-se observado, o árabe levanta o rosto e encontra os olhos de Lucian. Sobe rapidamente.
- Senhor, como posso servi-lo?
- Arrume suas coisas, tu irás comigo até a Inglaterra. Destronarei Zilan. Esta loucura passou dos limites, devo tomar uma medida mais rígida.
- E quanto a Pamela, por que a deixaste partir?
- Não a culpo, ela sabe que Zilan estava certo e ainda assim se engana com as minhas mentiras. Já conseguiram deslacrar o esquife da Itália?
- Não, senhor. Mas já terminaram de retirar os caixões da Índia e da África.
- Mande cartas para que Dimitre se certifique que está tudo em segredo. Pamela sabia demais.

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