Londres parecia guardar algo a mais naquela noite. Um gosto amargo se acumulava na boca dos mandantes ingleses. Os três anciões se recolhiam em seus aposentos no castelo de verão em York. Eles sentiam uma pontada de arrependimento, medo. Como quando esquecemos a última gota de absinto no copo, ao tentarmos tomá-la descobrimos que exatamente aquela última gota lhe roubará a sobriedade. Esse era o sentimento que guardavam para a morte de Zilan. Algo que, de certo, viria para bem. Mas lhes roubaria anos de avanço político, colocando a França novamente à frente.
Caio levantara por volta das dezenove horas. Fumava um cachimbo negro enquanto preparava as armas de Baudelaire. Lucian estava há horas trancado no closet de seu quarto. Sentado ao chão, meditava. Foi então que, sem que ele pudesse perceber, Lila adentrou seu quarto vestindo véus e roupas extremamente longas. Sentou-se à frente de Lucian que, por sua vez, encontrava-se nu.
- Senhor, eu vim, pois estou extremamente preocupada. Meu marido disse-me que levarás Caronte até Zilan. Céus, mas Caronte é muito forte, ele destruirá completamente meu cunhado. Isso causará um desequilíbrio dentro do nosso sistema político.
Lucian ficou parado olhando para ela, boquiaberto. Levou a mão direita até os cabelos e encarou-a.
- Madame, eu não vejo como eu e Zayed sairemos deste castelo sem que seu marido tente nos matar e a acuse de adultério. Ele tudo bem, aquele cachorro sem escrúpulos é impulsivo demais. Mas eu serei obrigado a prezar pela minha honra, e pela da senhora também.
- Deixe de besteiras, senhor Baudelaire – ela segura a mão de Lucian – Isto é o que menos importa agora. Escute-me, tudo neste mundo possui uma ordem, um equilíbrio. Eu não preciso ensinar-lhe sobre isto. Mas o que o senhor precisa saber mesmo é que a morte de nosso patriarca, Satidus, fez com que perdêssemos o norte. Eu sei o que acontecerá após a execução de Zilan. Margot irá embora, Zychnyr irá assumir o trono e nosso Estado será escravo do teu. Eu sei que tu me entendes. Mais um dos selos será quebrado.
- Tu falas dos selos de Patrícia – surpreende-se ainda mais – Como podes saber destes selos? E o que sabes sobre a quebra dos anteriores?
- Na noite em que tu achaste aquela caverna ao sul da Índia. Na noite em que liberastes a entrada do sarcófago divino, este foi o dia em que nasci. Por isso Satidus trouxe-me para a Inglaterra e eu casei com Zychnyr, sempre mantendo a promessa de que eu continuaria intocada. Enquanto pura, seria mantida como uma musa e o meu mal não se espalharia pelo meu corpo.
- Tu dormiste com Caio, tu perdeste a tua garantia de pureza. Não sabes o que fizeste, criança. A chaga irá acompanhá-la até o fim de tua vida. O maior problema é que viverás para sempre. Não tem volta, senhora, mesmo que eu não destrua Zilan, tua maldição é o suficiente para arrastar a Inglaterra até o fundo do poço.
Lila se levanta. Reverencia Lucian e sai do quarto arrasada. Cruza com Caio no meio do corredor. Ele checa se há alguém a espiá-los e a puxa pelo braço.
- O que houve? O que tu estavas falando com Lucian?
- Nada, senhor. Agora me deixe ir antes que alguém nos veja. Já coloquei muita coisa a perder por esta loucura.
Ele a solta. Entra no quarto de Lucian, que ainda se encontra despido.
- Definitivamente ainda levarão séculos para que vós aprendeis a bater antes de entrar – Lucian se irrita.
- Desculpe-me. Vim perguntar-lhe o que aconteceu com Lila.
- Caio, Caio, larga a mulher dos teus inimigos! Um dia uma delas te derrubará. Lembra-te que estamos aqui para ajudar, mas por mero interesse. Mas eu não me arriscaria a dormir em um castelo inglês sem uma adaga abaixo de minha cama.
Zayed se cala. Pega as vestes de Baudelaire e o ajuda a se vestir. Então mostra as armas que trazia ao seu mestre. Limpas e afiadas. O francês as prende em seu corpo. Então ambos tomam uma carruagem até o castelo de Londres.
Já eram vinte e duas horas quando Zilan se recolheu. A escuridão lhe convinha, parecia ser sua última aliada. Vestiu sua melhor roupa, sentiu-se adequado envolto de seda negra e veludo roxo. Uma longa capa lhe cobria o corpo. Por baixo um colete adornava o tórax sobre uma blusa branca de algodão. Pediu para que lhe trouxessem o melhor vinho que podia ser encontrado em Londres. Serviu duas taças e deixou-as em cima da lareira. Abriu as portas da sacada. Ficou de pés em frente à cama.
Esperou cerca de meia hora. Então ouviu uma das taças sendo erguida. Virou-se e viu Lucian ao lado do fogo. Seu carrasco estava a postos.
- Pontual como sempre, disso eu nunca pude reclamar.
Baudelaire retira o casaco e coloca-o nas costas de uma poltrona.
- Muita delicadeza pedir vinho para nós dois. Mas creio que não passarei deste gole, Zilan. Precisamos tratar de negócios.
Lucian acomoda-se na cadeira. Zilan senta-se na beirada da cama. O governador inglês era um homem muito fino. Incrivelmente parecido com seu irmão Zychnyr. A mesma estatura, cabelos curtos e claros e olhos castanhos. Mas ao contrário de Zychnyr, seus olhos guardavam muito. Uma certa crueldade transbordava de sua íris opaca. Ele sorri e diz:
- Pois bem, Baudelaire, teça sua teia em volta de mim.
- Não dramatize a situação, Zilan. É difícil para mim, vir até aqui e desautorizar a decisão de Satidus é algo que nunca pensei em fazer.
- Quais são minhas escolhas, my lord?
- Não existem escolhas. Teu comportamento é considerado perigoso. Eu não posso permitir que atinjas meu poderio. Além disto, atacaste meus aliados. Eu tenho o compromisso de protegê-los. Pámela foi rendida, Mont Blanc não está segurando a pressão nas fronteiras da Itália. Ao menos não atacaste Johann e Vicius. Além disto, destruíste minha mansão de Verão. É fato que eu adorava aquela casa.
- Sempre me disseram que seria loucura atacar-lhe. A verdade é que foi uma ofensa muito menor do que se eu tivesse investido contra a Alemanha e os árabes. Eu sabia que não irias lutar. Honras demais o trato que fizeste com meu pai. Sinceramente, duvido que lutes agora.
- Tens razão, não lutarei com alguém tão novo. Prometi a Margot que não o destruiria. Imposte esse terrorismo dentro de tua própria casa. Atacaste teu irmão e assustaste Margot!
- Zychnyr é um fraco – irrita-se Zilan – Nunca lutou por nada. Não sobreviveria a mudança.
- Ele ficará em teu lugar. Governará tudo o que hoje é teu.
- Obvio, existe melhor fantoche para ti, Lucian?
Baudelaire caminha até a sacada. Olha a lua, calmamente se dirige a Zilan.
- Nosso tempo acabou. Quero que conheças Caronte.
Um homem muito alto aparece do meio das sombras em um canto do quarto. Vestia-se como um monge e possuía longos cabelos brancos. Os olhos negros procuram Zilan, que se sente intimidado ao encontrá-los.
- Vejo que já são velhos amigos – diz Baudelaire – Acaso contrataste os serviços dele alguma vez? Saiba que comigo as coisas são diferentes. Muito mais dolorosas.
Zilan tenta ir para trás, mas Lucian o abraça tão forte que seu corpo inteiro se paralisa. Então deposita o corpo em estado catatônico sobre a cama. Caronte se aproxima. Coloca o dedo indicador sobre a testa do Braddock. Aos pouco, um mármore frio cobre os dedos da presa, espalhando-se para o restante do corpo imóvel. Antes que os lábios fossem fechados, Baudelaire se aproxima.
- Agora, criança, tu sabes o que aconteceu de fato com os grandes reis de pedra. Desta mesma forma aprisionei minha mãe e meus irmãos. Tornei-me forte, pois agora eles vivem através de mim, como tu viverás.
Ele posiciona os lábios a dois dedos dos lábios de Zilan. Um ar frio desloca-se da garganta do Braddock e aloja-se no corpo de Baudelaire. Estava feito. Lucian destruíra o seu inimigo. Agora voltaria para criar sua pequena Inefir. Jurou protegê-la deste meio de traições.
outubro 21, 2008
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