outubro 21, 2008

9º Capítulo - A execução de Zilan Braddock

Londres parecia guardar algo a mais naquela noite. Um gosto amargo se acumulava na boca dos mandantes ingleses. Os três anciões se recolhiam em seus aposentos no castelo de verão em York. Eles sentiam uma pontada de arrependimento, medo. Como quando esquecemos a última gota de absinto no copo, ao tentarmos tomá-la descobrimos que exatamente aquela última gota lhe roubará a sobriedade. Esse era o sentimento que guardavam para a morte de Zilan. Algo que, de certo, viria para bem. Mas lhes roubaria anos de avanço político, colocando a França novamente à frente.
Caio levantara por volta das dezenove horas. Fumava um cachimbo negro enquanto preparava as armas de Baudelaire. Lucian estava há horas trancado no closet de seu quarto. Sentado ao chão, meditava. Foi então que, sem que ele pudesse perceber, Lila adentrou seu quarto vestindo véus e roupas extremamente longas. Sentou-se à frente de Lucian que, por sua vez, encontrava-se nu.
- Senhor, eu vim, pois estou extremamente preocupada. Meu marido disse-me que levarás Caronte até Zilan. Céus, mas Caronte é muito forte, ele destruirá completamente meu cunhado. Isso causará um desequilíbrio dentro do nosso sistema político.
Lucian ficou parado olhando para ela, boquiaberto. Levou a mão direita até os cabelos e encarou-a.
- Madame, eu não vejo como eu e Zayed sairemos deste castelo sem que seu marido tente nos matar e a acuse de adultério. Ele tudo bem, aquele cachorro sem escrúpulos é impulsivo demais. Mas eu serei obrigado a prezar pela minha honra, e pela da senhora também.
- Deixe de besteiras, senhor Baudelaire – ela segura a mão de Lucian – Isto é o que menos importa agora. Escute-me, tudo neste mundo possui uma ordem, um equilíbrio. Eu não preciso ensinar-lhe sobre isto. Mas o que o senhor precisa saber mesmo é que a morte de nosso patriarca, Satidus, fez com que perdêssemos o norte. Eu sei o que acontecerá após a execução de Zilan. Margot irá embora, Zychnyr irá assumir o trono e nosso Estado será escravo do teu. Eu sei que tu me entendes. Mais um dos selos será quebrado.
- Tu falas dos selos de Patrícia – surpreende-se ainda mais – Como podes saber destes selos? E o que sabes sobre a quebra dos anteriores?
- Na noite em que tu achaste aquela caverna ao sul da Índia. Na noite em que liberastes a entrada do sarcófago divino, este foi o dia em que nasci. Por isso Satidus trouxe-me para a Inglaterra e eu casei com Zychnyr, sempre mantendo a promessa de que eu continuaria intocada. Enquanto pura, seria mantida como uma musa e o meu mal não se espalharia pelo meu corpo.
- Tu dormiste com Caio, tu perdeste a tua garantia de pureza. Não sabes o que fizeste, criança. A chaga irá acompanhá-la até o fim de tua vida. O maior problema é que viverás para sempre. Não tem volta, senhora, mesmo que eu não destrua Zilan, tua maldição é o suficiente para arrastar a Inglaterra até o fundo do poço.
Lila se levanta. Reverencia Lucian e sai do quarto arrasada. Cruza com Caio no meio do corredor. Ele checa se há alguém a espiá-los e a puxa pelo braço.
- O que houve? O que tu estavas falando com Lucian?
- Nada, senhor. Agora me deixe ir antes que alguém nos veja. Já coloquei muita coisa a perder por esta loucura.
Ele a solta. Entra no quarto de Lucian, que ainda se encontra despido.
- Definitivamente ainda levarão séculos para que vós aprendeis a bater antes de entrar – Lucian se irrita.
- Desculpe-me. Vim perguntar-lhe o que aconteceu com Lila.
- Caio, Caio, larga a mulher dos teus inimigos! Um dia uma delas te derrubará. Lembra-te que estamos aqui para ajudar, mas por mero interesse. Mas eu não me arriscaria a dormir em um castelo inglês sem uma adaga abaixo de minha cama.
Zayed se cala. Pega as vestes de Baudelaire e o ajuda a se vestir. Então mostra as armas que trazia ao seu mestre. Limpas e afiadas. O francês as prende em seu corpo. Então ambos tomam uma carruagem até o castelo de Londres.
Já eram vinte e duas horas quando Zilan se recolheu. A escuridão lhe convinha, parecia ser sua última aliada. Vestiu sua melhor roupa, sentiu-se adequado envolto de seda negra e veludo roxo. Uma longa capa lhe cobria o corpo. Por baixo um colete adornava o tórax sobre uma blusa branca de algodão. Pediu para que lhe trouxessem o melhor vinho que podia ser encontrado em Londres. Serviu duas taças e deixou-as em cima da lareira. Abriu as portas da sacada. Ficou de pés em frente à cama.
Esperou cerca de meia hora. Então ouviu uma das taças sendo erguida. Virou-se e viu Lucian ao lado do fogo. Seu carrasco estava a postos.
- Pontual como sempre, disso eu nunca pude reclamar.
Baudelaire retira o casaco e coloca-o nas costas de uma poltrona.
- Muita delicadeza pedir vinho para nós dois. Mas creio que não passarei deste gole, Zilan. Precisamos tratar de negócios.
Lucian acomoda-se na cadeira. Zilan senta-se na beirada da cama. O governador inglês era um homem muito fino. Incrivelmente parecido com seu irmão Zychnyr. A mesma estatura, cabelos curtos e claros e olhos castanhos. Mas ao contrário de Zychnyr, seus olhos guardavam muito. Uma certa crueldade transbordava de sua íris opaca. Ele sorri e diz:
- Pois bem, Baudelaire, teça sua teia em volta de mim.
- Não dramatize a situação, Zilan. É difícil para mim, vir até aqui e desautorizar a decisão de Satidus é algo que nunca pensei em fazer.
- Quais são minhas escolhas, my lord?
- Não existem escolhas. Teu comportamento é considerado perigoso. Eu não posso permitir que atinjas meu poderio. Além disto, atacaste meus aliados. Eu tenho o compromisso de protegê-los. Pámela foi rendida, Mont Blanc não está segurando a pressão nas fronteiras da Itália. Ao menos não atacaste Johann e Vicius. Além disto, destruíste minha mansão de Verão. É fato que eu adorava aquela casa.
- Sempre me disseram que seria loucura atacar-lhe. A verdade é que foi uma ofensa muito menor do que se eu tivesse investido contra a Alemanha e os árabes. Eu sabia que não irias lutar. Honras demais o trato que fizeste com meu pai. Sinceramente, duvido que lutes agora.
- Tens razão, não lutarei com alguém tão novo. Prometi a Margot que não o destruiria. Imposte esse terrorismo dentro de tua própria casa. Atacaste teu irmão e assustaste Margot!
- Zychnyr é um fraco – irrita-se Zilan – Nunca lutou por nada. Não sobreviveria a mudança.
- Ele ficará em teu lugar. Governará tudo o que hoje é teu.
- Obvio, existe melhor fantoche para ti, Lucian?
Baudelaire caminha até a sacada. Olha a lua, calmamente se dirige a Zilan.
- Nosso tempo acabou. Quero que conheças Caronte.
Um homem muito alto aparece do meio das sombras em um canto do quarto. Vestia-se como um monge e possuía longos cabelos brancos. Os olhos negros procuram Zilan, que se sente intimidado ao encontrá-los.
- Vejo que já são velhos amigos – diz Baudelaire – Acaso contrataste os serviços dele alguma vez? Saiba que comigo as coisas são diferentes. Muito mais dolorosas.
Zilan tenta ir para trás, mas Lucian o abraça tão forte que seu corpo inteiro se paralisa. Então deposita o corpo em estado catatônico sobre a cama. Caronte se aproxima. Coloca o dedo indicador sobre a testa do Braddock. Aos pouco, um mármore frio cobre os dedos da presa, espalhando-se para o restante do corpo imóvel. Antes que os lábios fossem fechados, Baudelaire se aproxima.
- Agora, criança, tu sabes o que aconteceu de fato com os grandes reis de pedra. Desta mesma forma aprisionei minha mãe e meus irmãos. Tornei-me forte, pois agora eles vivem através de mim, como tu viverás.
Ele posiciona os lábios a dois dedos dos lábios de Zilan. Um ar frio desloca-se da garganta do Braddock e aloja-se no corpo de Baudelaire. Estava feito. Lucian destruíra o seu inimigo. Agora voltaria para criar sua pequena Inefir. Jurou protegê-la deste meio de traições.

fevereiro 25, 2008

Capítulo 8º - A doce Margot

Temendo pela segurança de seu aprendiz, Lucian preferiu dormir no quarto de Caio. Quando Zychnyr sentisse o sangue de outro vampiro correndo no corpo de Lila, ele ansiaria por vingança. Um assassino experiente como Zayed só seria capturado durante seu sono, quando não estaria alerta. Baudelaire fechou as cortinas e sentou-se na poltrona ao lado da cama, deixando seu protegido ocupar o caixão que estava dentro do closet. Nada aconteceu, o dia foi calmo e logo a noite adentrou-o sem aviso.
O governante francês vestiu sua melhor roupa e se preparou para encontrar Zychnyr. Primeiro teria uma audiência com três vampiros anciões, depois iniciariam as ações de retomada do Estado. Ao fim da escadaria principal ele encontrou seu anfitrião:
- Meu doce Lucian, confesso que estava ansioso para vê-lo esta noite. Temos um trunfo, algo que lhe deixará satisfeito. Os anciões foram exonerados por Zilan. Eu os abriguei nesta casa. Não há mais obstáculos, toda a Inglaterra deve estar contra meu irmão, precisamos apenas garantir que o mago não nos prejudique.
- Zilan enlouqueceu – diz Baudelaire surpreso – Destronando os três conselheiros e se tornando o único influente no governo ele coloca Margot contra o juramento real. Ela não desonrará a coroa de Satidus, os três vampiros milenares foram nomeados pelo fundador do clã, ela os protegerá. Por outro lado, deve garantir que Zilan permaneça vivo.
- De qualquer forma, ainda desejas conversar com os anciões?
- Sim, não posso transgredir as regras do Estado, precisarei destes senhores mais tarde.
- Então me acompanhe.
- Esperem senhores – Caio desce as escadas apressado – Espero não tê-los atrasado muito. Peço desculpas pela minha indisciplina. Fui atrasado, pois ao despertar dei-me conta de que todas as minhas armas haviam desaparecido. Por sorte minha katana fica sempre acoplada ao meu corpo.
Lucian intimida Zychnyr com um olhar severo. Ele podia sentir o sangue do inglês correndo cada vez mais rápido, o coração disparando e suas mãos suando, as pupilas dilatavam. Há cem anos essa ofensa seria motivo suficiente para decapitar Zychnyr com suas próprias mãos e ninguém ousaria questionar seus atos. O tempo o tornara mais paciente:
- Deveria cuidar para que seus convidados sejam recebidos de forma mais adequada – diz Lucian – Espero que não tenhamos outro contratempo como este. E, obviamente, com toda a tua educação inglesa, tu providenciarás para que os objetos pessoais de meu amigo sejam recuperados.
- Claro, sir Baudelaire. Também providenciarei para que o ladino tenha sua mão direita amputada – responde Zychnyr.
- Prossigamos, senhores! A noite urge e não posso mais esperar para tomar-mos este país – diz Caio.
- Sir, talvez essa conversa devesse ser particular – ousa o petulante Braddock.
- Quando Vicious confiou Caio aos meus cuidados, pediu-me para ensinar-lhe tudo sobre guerras – irrita-se Lucian – Eu digo que estas serão as melhores aulas que ele receberá. Além disto, meu aprendiz preserva a minha integridade.
Prosseguiram até a sala onde os anciões os aguardavam. Zychnyr ia à frente, contrariado. Ele abre a porta. Dentro do cômodo estavam sentados três homens muito distintos. O primeiro era Aniar, um senhor de quarenta e cinco anos, cabelos grisalhos e olhos penetrantes, este era o mais dos conselheiros. O segundo era o justo Solmir, o mais honesto. Tinha estatura baixa e era bastante corpulento. Os cabelos castanhos presos por um laço deixavam seu rosto peculiarmente arredondado. Entre eles, o único com quem Lucian deveria ter cuidado era o terceiro.
O malicioso Malachai possuía, sem duvidas, punhos de ferro e não aceitava decisões que não lhe garantissem alguma vantagem. Seus olhos pareciam dois faróis que sugavam aqueles que encontravam no caminho, deglutindo-os e entranhando em suas ações ambiciosas. Curiosamente, havia boatos de que ele enlouquecera nos últimos anos. A aparência não lhe garantia muitos favores, era um albino de estatura baixa, o que intrigava os vampiros da época, que eram bastante preconceituosos. Não sabiam como um outro vampiro seria capaz de escolhê-lo como cria.
Baudelaire os cumprimenta. Zayed fica próximo à porta observando tudo. Solmir inicia sua ladainha, que tinha a fama de ser enfadonha:
- Acredito que o senhor nunca tenha nos visto tão humilhados, lorde Baudelaire. Sempre tivemos desentendimentos com máster Satidus, mas nunca fomos escorraçados da fortaleza de York.
- Fico desconsolado ao pensar nisto – Lucian veste sua máscara mais convincente – É terrível o fato de um nobre desrespeitar as tradições e o bem estar de seu país. Eu lhes devolverei o controle de vossa pátria e colocarei Zychnyr em seu devido lugar.
- Não será tão simples – Malachai se levanta – Eu tomei a liberdade de convidar a única pessoa que possui o poder de julgar-nos. Zayed, por favor, abra a porta.
Calmamente, Caio abre apenas um lado da porta. Primeiro entram duas mulheres vestidas com longas túnicas brancas de uma transparência admirável. Não pareciam européias, a cor de suas peles era rubra e os cabelos de um negror intenso. Uma carregava um pote com óleo de calêndulas que respingava ao chão, a segunda carregava uma travessa com pétalas negras. Em seguida irrompe à porta uma menina de aproximadamente doze anos usando um grande vestido negro que lhe cobria todo o corpo. Os pés estavam descalços, acompanhando seus passos, era possível ver o branco névoa pisar as flores destruindo-as. Os cabelos repartidos em duas tranças caiam ébano até a altura dos seios pouco desenvolvidos. Os olhos eram opacos, totalmente negros. Usava luvas de renda e um grande medalhão ostentando o olho de Rá.
Todos ajoelharam, exceto Lucian. A criança se aproxima, curva-se e beija-lhe os pés. O olhar perdido busca esperança na fronte do vampiro. Ela segurou-lhe as mãos e, transpondo sua dor para a face infante, desabafou:
- Senhor Baudelaire, sabes que nunca tive um mestre. Minha magia e sombra nasceram comigo, Satidus apenas as libertou. Faz-te meu mestre, ao menos neste momento, ensina-me o certo. Eu jurei proteger a Inglaterra, como posso traí-la?
- Levanta-se – Baudelaire a ajuda a levantar – Não me perguntes sobre o certo ou errado, não há como ser justo. Este mundo me coloca sentado em um trono enquanto tu estás a minha frente disponibilizando seus serviços, eu deveria implorar para tê-la ao meu lado.Confio em teu julgamento.
- Zilan colocou nossa segurança em risco, nos traiu, mas ainda é o herdeiro inglês. Destrone-o, como deve ser feito. Poupe a vida de meu protegido, faça-o por mim. Eu irei buscar exílio, retornarei apenas quando Zychnyr estiver no poder.
Ela beija as mãos de Lucian e se retira. Os três conselheiros continuam em silêncio. A reunião se estende até o fim da noite. A decisão é unânime, Zilan cairia em dois dias.