dezembro 19, 2007

7º Capítulo – Traição e Sangue

Duas semanas após a visita de Pamela Lucian já estava em domínios ingleses. Zilan ordenara que sua guarda pessoal garantisse a segurança de suas fronteiras. Trinta homens não foram o suficiente para o senhor francês e Caio Zayed. Muitos destruídos e alguns enviados mutilados como aviso para o palácio de York, onde os nobres Braddock moravam. Nesta mesma corte havia um contato que garantia o cumprimento do plano de Baudelaire. Zychnyr era a terceira criança de Satidus, irmão consangüíneo do atual governante, foi abraçado na mesma noite. Segundo uma visão de Margot, o mago do clã, os dois irmão indicavam o equilíbrio e apenas um governo bipartido seria a salvação para seus seguidores.
Zilan era o melhor guerreiro da Grã-Bretanha, sua estratégia e perseverança o levariam a qualquer lugar, se Lucian Baudelaire não estivesse em seu caminho. Nunca havia sofrido uma derrota. Zychnyr era um intelectual dedicado a questões diplomáticas e economia, era responsável pelos planos de desenvolvimentos ingleses. E era na sanidade deste irmão que Lucian buscava uma esperança e abrigo. Sabia que a vaidade e inveja seriam ótimos aliados neste caso. Zilan ignorara a profecia do mago, suas atitudes eram reprovadas pelos vampiros mais antigos. Vestindo-se da ira do irmão mais novo, ele derrubaria o mais velho em apenas uma semana.
Caio e Lucian foram instalados em uma casa de campo na companhia de Lila, esposa de Zychnyr, uma princesa iraquiana que ele roubara para si. Ao serem recebidos, perceberam que as tradições ainda eram fortes naquela mulher. Seu corpo era totalmente coberto e um lenço guardava suas feições, deixando apenas seus verdes olhos expostos, contornados por linhas negras. Os cabelos castanhos médio caiam em cachos bem definidos, ornamentados por tranças e anéis de ouro. Era agradável olhar dentro as íris de seus olhos, limitadas por uma linha amarelada que invadia o esverdeado com rajadas. Sua única comunicação com o mundo, em um tom tão poético que tocou Zayed de alguma forma, despertando seus instintos masculinos.
Era uma quinta-feira, os visitantes foram acomodados em quartos extremamente luxuosos e servidos de duas virgens. Banharam-se e vestiram roupas refinadas. Lila os levou até Zychnyr. Ao ver Lucian, ele se curva e beija suas mãos. Após reverenciar Caio, ele beija a testa da esposa e lhe oferece o pulso. Ela bebia apenas o sangue que vinha do corpo do marido, era uma forma de provar sua fidelidade.
- Senhores, estou tão honrado por recebê-los – ele inicia – Sou imensamente grato pela visita, apenas lamento pela ocasião. Meu irmão tem simplesmente me enlouquecido, não agüento mais ver suas ações impulsivas. Zilan foi longe demais e eu não crio que haja outro jeito de pará-lo, senão derrubando-o.
Lucian sabia que havia hipocrisia naquelas palavras. Não era pela responsabilidade, era apenas vaidade, nada mais. Ele encara aquele homem de 1,79m. Os cabelos negros eram cortados batidos e os olhos castanhos não guardavam nada de especial. Era inclinado a moda e sempre estava impecavelmente vestido.
- Não te preocupes, as ações de teu irmão serão ignoradas, ele não será julgado. Mas eu precisarei retirá-lo do trono – Lucian o encara – Apenas um inglês deve tomar o lugar de Zilan. O povo irá aceita-lo bem, afinal, o cargo é teu por direito.
A conversa perdurou por horas, logo Caio encontrou uma oportunidade para escapar-se. Lila havia se retirado mais cedo. O assassino vai ao seu quarto, abre o baú que carregava seus pertences e retira duas cimitarras, guardando-as embaixo de seu colchão. Enquanto entretinha-se com algumas adagas, ele ouve passos no quarto ao lado, encosta-se na parede para ouvir melhor. Os pés femininos tocam o chão com leveza e precisão. Aquele era o quarto de Lila e ele a reconhece pelo perfume de mirra que entra pela sacada. Arriscando-se ele sai para a sacada, encontrando a moça em trajes noturnos, cabelos soltos e rosto descoberto. As finas feições e lábios marcantes gravam-se na memória dele.
- Durante as noites estreladas agrada-me uma boa cavalgada quando estou em meu país – diz ele – No Iraque a noite é igualmente bela.
- Perdão, não o vi – ela tenta puxar um lenço que estava em sua cintura para cobrir o rosto.
- Não, deixe-o assim, ninguém nos vê e seu rosto me traz uma sensação de calma que não tenho há milênios.
Tímida, ela deixa o lenço cair.
- Sim, as noites são tão belas quanto na sua Palestina.
- Vejo que já ouviste falar de minha pessoa.
- Todos comentam sobre o senhor Zayed, o homem de confiança de Lucian Baudelaire.
- Apenas sou citado por me associarem ao meu mestre.
- Acredito que tu tens certo mistério que cria um clima intenso em torno dos grandes feitos do senhor Baudelaire. Que graça haveria em toda esta história sem os galanteios do assassino Caio, um sedutor.
- Sedutor – ele sorri – Isso soa um tanto quanto agressivo.
- Ora, creio que toda mulher deseja um sedutor em sua vida.
- És bastante solta para uma iraquiana. Falas o que pensas.
- Meu marido me permite essa liberdade.
- E o que mais teu marido lhe permite?
- Senhor – as maçãs do rosto tornam em um tom avermelhado – Não devo me expor desta forma na sacada. Meu mestre não aprova que seus seguidores vejam minha face.
- Se me permites, espero não estar sendo indelicado, mas poderíamos continuar a conversar dentro de alguma sala.
- Serei tão indelicada quanto o senhor. Por que não vens ao meu quarto?
Ele ergue o corpo e fica de pés no parapeito, atravessando para a sacada do quarto de Lila. Sentam-se em um grande tapete de pelo próximo à lareira.
- Vives há muito tempo com Zychnyr?
- Apenas há dez anos, Vicious pediu a meu mestre que me entregasse a Zychnyr para reafirmar alguns tratados.
- Então tu não o amas.
- Ele é meu marido, portanto meu senhor.
- Provaste apenas do sangue de teu senhor?
- Sim. Antes eu era alimentada por sangue de virgens.
- E existe alguma diferença?
- O sangue de Zychnyr é mais forte.
- Não lhe perguntei isso.
- Então o que me perguntaste?
- Tu sentes extremo prazer quando ele permite que haja troca de sangue, quando ele lhe toca?
- Eu não deveria responder isto!
Ela tenta levantar-se, mas Caio a segura e, comprimindo-a contra seu tórax, a beija. Retira sua blusa e, com a unha de seu polegar direito, faz um pequeno corte em sua barriga:
- E agora? Sentes vontade de deleitar-se em meu sangue?
Lila fica muda por alguns segundos. Em seguida atira-se aos braços de Zayed colocando seus lábios no ferimento e, pela primeira vez, utilizando suas presas. Rasga carne e derrama sangue em um êxtase enlouquecido. Ele a afasta.
- Chega, eu não devo profaná-la.
- Não te limites pela imagem que pinto para mim. Esta tela em óleo que está a admirar não é o que sou. Em verdade lhe digo, eu nunca explorei meus instintos e limites, não sei o que sou. Quero que me mostre tudo o que sabes.
Ele retira a camisola em cashimire que cobria as formas torneadas, toca a pele pálida e a toma para seu prazer. Após longo gozo, ele a deixa adormecida e volta para seu quarto. Depara-se com Lucian que o segura pela gola da blusa e levanta-o.
- Estás louco, Zayed? Pretendes arruinar-me? Eu pude ouvi-los com pouco esforço! Não deves tocar nesta mulher, ela não pode seguir seus instintos ou algo terrível despertará dentro dela. Por isso Zychnyr não a toca, por isso apenas a alimenta com seu sangue. O que tu fizeste hoje terá conseqüências terríveis para esta moça. Quanto a nós, teremos sorte se o senhor Braddock não descobrir esta traição.
- Ela é apenas uma mulher, meu mestre. Não se diferencia em nada das outras que eu já toquei. Não me vale nada.
- E mesmo assim a tomaste para ti. – ele o coloca no chão – Não compreendes, mas essa mulher é mais poderosa do que todos pensam. Deixe que os ingleses continuem a subestimá-la, para mim isto é interessante. Quanto a ti, nunca mais a toque, não deves nem chegar perto de suas mãos. Tu a despertarás.

novembro 27, 2007

6º Capitulo – A Senhora Egípcia

Caio passara a noite cuidando da segurança de Osgliath. A verdade é que quando Lucian ordenou que ele fosse vigiado, não temia uma fuga. A qualquer momento Lilith poderia entrar no estábulo e matá-lo, tentando proteger seus planos futuros. Quando o dia estava a apenas uma hora da fazenda, Zayed prendeu o egípcio em um caixão feito de madeira e amarrado a correntes, deixou enterrado no meio do campo e desenhou um grande círculo com pó de ossos. Não havia muita magia naquele assassino árabe. As certezas que ele tinha estavam consagradas em sua espada, mas o pouco que guardava de ocultismo, era de uma origem especial, em sua maior parte de proteção e fechamento de corpos.
Não obstante de que este pequeno ritual iria manter um demônio longe de sua presa, enterrou-se a dois passos do caixão. O dia veio e a tarde passou e a noite se deitou nos campos congelados. Inefir passara o dia sozinha, sem esperar muitas respostas pelos sonhos da noite anterior, sem ao menos se perguntar se haviam significados. Preferiu gastar o dia lendo. À noite, enquanto tentava esquentar-se próxima à lareira, sentiu uma vontade de comer trufas com uma xícara de chocolate quente. Esse era o pequeno mimo que Lucian fazia a ela, encomendava os melhores bombons trufados da França. O chocolate quente era um costume, um modo de suportar as noites tão frias.
Os pezinhos brancos e enroladinhos de frio tocaram a pedra que, aquela altura, tinha a mesma temperatura que uma pedra de gelo. Ela correu até o baú em frente à cama e retirou uma meia, a calçou desesperadamente e vestiu-se um sapato qualquer. Na cabideira próxima a porta havia um grande casaco verde com capuz e forro de pêlo que lhe serviu bem. Abriu a porta, tomando um grande gole de coragem, saiu correndo pelo corredor. "A cozinha deve estar quentinha", ela pensou enquanto se apressava. Ao chegar à metade da escadaria ela percebeu um vulto no canto do hall. Pensou em voltar e esquecer o lanche noturno, mas a figura a intrigou.
- Quem está aí? Caio? Es tu, senhor?
Um vento aterrador invadiu o cômodo, transformando as cortinas em grandes dedos que tentavam alcançar Inefir. A luz da lua mostrou uma espádua feminina coberta por colares de ouro tão dourados que sugavam olhares. Os seios estavam à mostra, levemente cobertos pelos longos cabelos de ébano que desciam por suas costas e ombros. Devia possuir 1,75m de altura. Em sua cintura estavam presos uma saia de algodão cru e um cinto de ouro. Ela deu um passo à frente e deixou que a voz calma tomasse conta da casa.
- Vim buscar o que me pertence. Procuro Lucian, ele deve me devolver meu guerreiro. – Inefir continua petrificada – Escute menina, não tenho a noite toda! Ande!
- Meça palavras ao falar com minha filha, Pamela – Johann desce as escadas – Ela não é tua súdita e nunca o será. Essa criança possui muito mais conhecimentos e capacidade que tu irás possuir em toda a tua existência, ou acreditas que a tua origem inferior poderá tocar a minha dinastia? Não seja tola.
Como um bom germânico, Johann Köhler acreditava que era superior por sua origem nobre anglo-saxônica. Sempre tratou Pámela como um peso morto entre os vampiros. Ela não lutava, não possuía de fato um exercito e só trazia prejuízos financeiros a Lucian, que assumia a responsabilidade de manter o padrão de vida de seus aliados.
- O senhor Baudelaire descerá em breve. Aguarde na sala de visitas.
- Johann, eu exijo um pouco mais de respeito.
- Perdoe meu amigo – Lucian aparece – Mas é que cometes uma terrível gafe ao levantar a voz para a pequena Van Kirsh. Vamos tratar de negócios.
Baudelaire trazia uma vela em sua mão, as luz ilumina o rosto de Pamela. Inefir vê uma faixa em volta dos olhos da mulher. Antes que possa questionar, Johann a carrega e a leva até a cozinha, onde prepara o chocolate quente e serve algumas trufas em um prato. Ela senta em uma cadeira e seus pés ficam pendurados e balançando.
- O que ela tinha nos olhos, senhor?
- Sabe Inefir, o mais incomodo nas crianças é a curiosidade inocente que possuem. Pamela não pode enxergar, há muitos anos seus olhos se tornaram debilitados.
- Como ela ficou cega?
- Lembra as coisas que Lucian lhe ensinou sobre a Igreja e a sociedade? Pois bem, os olhos dela foram mais uma conseqüência das tentativas que o cristianismo fez para controlar o povo.
- E como ela pode sobreviver sem enxergar? Não vi ninguém que a acompanhasse.
- Alguns seres fazem de seus defeitos armas que os protejam. Ela encontrou um meio mais interessante que a visão. Agora chega de perguntas, menina. Não podes saber de tudo – ele sorri – Coma e eu a levarei para dormir.
O escritório parecia pequeno para o mal estar que a companhia de Lucian causava em Pamela. Seus olhos desvanecidos pareciam mapear sua mente, desnorteando-a e deixando-a a mercê de sua raiva. Ela podia lembrar cada palavra que Zilan dissera em sua visita, o sorriso cínico de Baudelaire reforçava as acusações amargas. Aquilo a consumia a ponto de derramar ódio por seus olhos, transparecer sua vontade de acabar com aquela submissão. Ele já era mais calmo, experiente. Apenas a encarava separando alguns papéis sem a menor pressa, sem exprimir sentimentos, aguardando o momento adequado para uma aproximação.
- Senhor, não tenho toda a noite. Se tu desejas me dizer algo ou cobrar-me, faça-o.
- Ora, eis que não precisei rezar a minha ladainha, chegaste ao ponto que eu desejava. Fale-me de Zilan.
- O que tu pretendes com este circo? Sei que te sentes traído! Pois bem, estou a tua frente, tenha a tua vingança.
- Sei que parece simples, mas não é de fato. Nossa aliança durou séculos, nunca fizeste nada que eu reprovasse e eu nunca permiti que o Egito fosse atingido pelos interesses europeus. Ao contrário, me preocupei em colocá-la em uma posição neutra e nenhum país ousaria ataca-la sabendo que eras minha protegida. Não questiono que tenhas escolhido a Inglaterra. Os Braddock são os únicos capazes de desestruturar o meu poderio temporariamente. A grande pergunta é como pretendes sobreviver após este conflito?
Pamela sente-se perdida, olha para o chão, tenta entender como chegou aquele exato momento. Lucian se aproveita e levanta, coloca-se ao lado dela, a altura de seus olhos. Tocando seu queixo, ele levanta o rosto da egípcia e a encara.
- Te intrometeste em uma guerra de titãs. Quando isto terminar, Zilan cuidará de seu país e eu lhe virarei as costas. Não demorará muito para que os Zayed busquem a tua cabeça a mando de Vicious. O sangue de Satidus que transborda por tuas veias não valerá nada, pois Zilan nunca se importou com estas ligações. Como esperas manter o teu país falido?
- Quando Zilan pisou em minha casa eu não imaginava por que ele estaria me procurando. Logo que ouvi teu nome pude entender. Ele me contou sobre as desgraças que Satidus manteve em segredo, sobre as tuas traições. Então me mostrou as relíquias de nosso mestre. Não se trata apenas do poderio das entidades egípcias ou de nossas religiões. Ele me trouxe objetos de invocação capazes de atiçar o próprio Leviatã. Queria a minha ajuda, e eu não poderia dá-la. Mas havia algo que eu tinha que lhe interessava muito, um livro. Pediste que eu guardasse uma espécie de diário que nenhum vampiro de geração recente é capaz de ler. Sabe, eu me enganei, Zilan o leu para mim. Nós começamos a definhar, não é mesmo? É isso que a morte de Satidus indica, os anciões estão sendo destruídos. Tarik sofreu um atentado, Vicious está cansado. Os vampiros mais jovens como Caio, Osgliath, Zilan, Zychnyr, Margot sabem o que fazer. Mas eu não sei, estive muito ocupada com a preservação de minha linhagem. Ele me ofereceu uma aliança, algo que me manteria intacta depois que tu te fosses. Não vi outra saída.
Lucian fica surpreso, aqueles motivos fugiam de suas expectativas.
- O livro, tu o entregaste para Zilan?
- Não, ele era a minha garantia de que não seria usada. Precisava de algo para manter o controle da situação.
- Escute, Pamela, ninguém me derrubará. Depois decidirei o que fazer a respeito de nossa aliança, por enquanto apenas colocarei Zilan em seu devido lugar. Se queres saber se estamos definhando, estamos sim. Prova disso é que Zilan parece-me ter assassinado o próprio mestre para tomar seu lugar.
- E quanto à profecia? E quanto ao esquife que encontraram na Itália? Dizem que a loucura divina se voltará contra nós.
- Fale baixo – ele sussurra – Lilith está próxima, podes despertar outros interesses ao citar estes segredos. Por hora, lhe garanto que não há nada demais nestes achados. O caixão estava vazio, mas era santificado. Nenhum vampiro se aproximou dele. Fique tranqüila.
- Perdoe-me por ter fraquejado.
- És minha família. Eu honro todos aqueles que provem de meu pai e a geração seguinte aos meus irmãos. Menos Zilan, ele sentirá minha fúria. Agora vá, Caio já deve ter recebido ordens para libertar Osgliath. Diga-me apenas uma coisa, vistes Lilith por perto?
- Ela está no Bavária com um mancebo que sempre leva a tira colo.
- Como ele é?
- Em nossa presença vestia máscaras e roupas pesadas. Pude apenas ver seus olhos de um extremo azul, carregados de dor.
Sem dizer nada ele ergue a mão e acena para que ela se retire. Nada parece estar em seu lugar, não há certezas sobre o envolvimento de Lilith. Também existe a preocupação com Inefir e a possessão da noite anterior. De fato, Zilan não seu maior problema. Retira um fumo de sua casaca, a acende e fuma apressado. Vai até a janela, vê Pamela indo embora com Osgliath e Caio em pé na escadaria. Sentindo-se observado, o árabe levanta o rosto e encontra os olhos de Lucian. Sobe rapidamente.
- Senhor, como posso servi-lo?
- Arrume suas coisas, tu irás comigo até a Inglaterra. Destronarei Zilan. Esta loucura passou dos limites, devo tomar uma medida mais rígida.
- E quanto a Pamela, por que a deixaste partir?
- Não a culpo, ela sabe que Zilan estava certo e ainda assim se engana com as minhas mentiras. Já conseguiram deslacrar o esquife da Itália?
- Não, senhor. Mas já terminaram de retirar os caixões da Índia e da África.
- Mande cartas para que Dimitre se certifique que está tudo em segredo. Pamela sabia demais.

novembro 19, 2007

5º Capítulo – A questão política

Quando Lucian Baudelaire deixou a França o país estava em conflito com a Inglaterra. A Guerra dos Cem Anos foi apenas uma briga entre homens a respeito de questões feudais. Porém, no início do século XV, o patriarca da família Braddock sofreu um atentando e foi encontrado morto em seu quarto. O vampiro escolhido parar substituí-lo era Zilan, um nobre que fora transformado pelo próprio Satidus. Era inexperiente e afoito por ser muito jovem.
Há séculos os antecedentes do clã Braddock possuíam uma disputa com Baudelaire pela influencia nas demais famílias. Nos últimos quinhentos anos Lucian se tornou poderoso a ponto de ter os principais patriarcas europeus a seus serviços. Encarregou Dimitre, a quem ele considerava um irmão, dos assuntos internos do clã Baudelaire. Ele começou a estabelecer alianças com os demais países. Um tratado foi assinado entre a França, Império Germânico e Itália garantindo o maior exército de vampiros nas mãos de Lucian, Johann Köhler e Tarik Mont Blanc.
Prevendo o risco de um conflito e sabendo que suas tropas não venceriam, Satidus assinou um acordo de paz com a França. Lucian deveria garantir o prestígio e a influencia dos nobres ingleses, em troca, a Inglaterra não cometeria atos violentos contra Baudelaire e seus aliados. Ao receber o trono, Zilan decidiu que não continuariam submissos a Lucian. Aproveitou a guerra dos homens para infiltrar um pequeno exército e atacar a mansão Baudelaire.
Nesta mesma época, Dimitre havia partido para uma escavação na Itália, onde os homens de Tarik haviam encontrado um esquife feito de mármore e cravejado de rubis. Lucian estava em Paris sustentando seus luxos e tratando de formalidades políticas. A notícia da destruição da mansão o obrigou a antecipar uma visita a Johann que estava programada para o mês seguinte. Exilou-se na Alemanha, revelando sua localização apenas para Caio Zayed, seu amigo e conselheiro bélico. Dois anos se completavam desde a chegada de Lucian na mansão de Johann. Os três vampiros aguardavam um ataque por parte do mercenário de Zilan, mas passavam-se meses e nada acontecia.
Uma noite, enquanto Lucian ensinava espanhol para Inefir na sacada de seu quarto, Caio resolveu cavalgar para não perder o hábito de fazer rondas. Preparou o corcel negro que sempre o servia quando estava na Alemanha. Montou e iniciou sua cavalgada em trote alucinado, seu objetivo era único, sair das terras protegidas por magia e sentir como o mundo se movimentava fora daquele sítio. Sabia que alguém estaria a sua espera e compreendia que a sua inquietude só passaria quando sangue alheio fosse derramado. A verdade é que ele sentia o cheiro de Osgliath desde o primeiro momento em que entrara em território germânico.
Os cascos de sua montaria não lhe ofereciam mais a rapidez da qual precisava. Desmontou e deixou o animal retornar ao estábulo sozinho. Aquela altura, Zayed já estava à frente do portão de ferro questionando-se se valia à pena colocar aqueles que estavam dentro da casa em risco e acabar com essa espera. Caso o mercenário não fosse derrubado por ele, Lucian o derrotaria facilmente, mas Johann e a menina poderiam ser mortos. Com a mão esquerda ele segura o cabo da cimitarra que estava presa a sua cintura, a direita empurra o portão.
Um pé após o outro e ele garante que suas pernas sejam firmes como raízes presas ao solo. Os olhos atentos não deixam que nada escape de sua vigília. Nessas situações, um leve sorriso sempre se desenhava em sua boca, revelando a sede insaciável pela caça. Vagarosamente ele vira e percebe que o portão se fecha em suas costas. Um vulto se movimenta rapidamente entre folhas e árvores. Ele desembainha a espada. Os olhos acompanham a sombra, os ouvidos captam os passos duros e ligeiros. Cada momento servia como um passo de aproximação. Ele o estudava, calculava seu peso e altura. O bater do corpo entre a folhagem serviam como modelo para que Caio imaginasse o inimigo.
Enfim ele investe contra um monte de galhos. A lâmina toca o alvo de raspão e prende-se em um tronco. O homem de um metro e noventa ergue o corpo em meio à escuridão, a pele extremamente escura reluz aos raios lunares e os olhos amarelados analisam Caio enquanto o fareja. Aproveitando a proximidade, o assassino acerta o punho fechado no rosto e é lançado para longe. Então ele reconhece os traços finos de Osgliath, a cabeça raspada carregava um djed tatuado.
A rapidez de Caio era incrível, ele gira como se pudesse flutuar e encrava a cimitarra na lateral esquerda do egípcio, que cai sem movimentos. Zayed puxa uma corda que estava amarrada a sua cintura e prepara-se para prender sua caça quando vê suas mãos transformando-se em garras. Os caninos crescem de forma desenfreada, alcançando a altura do queixo. A estrutura óssea se modifica, o rosto se torna mais alongado como o de um cachorro, os ombros ficam mais largos e os braços mais longos.
- Odeio metamórficos! – diz Caio.
Ele corre em direção à presa, tenta alcançar a espada, mas é lançado contra uma parede de pedra. Não satisfeito, ele levanta Zayed pelo pescoço e a rocha, cortando suas costas. Tendo como vantagem o contato, Caio acerta um soco no cabo dourado, empurrando a lâmina mais a fundo. O monstro ergue a pata direita e encrava as garras no abdômen do assassino. Temendo pela inconsciência ele estica o braço ao máximo, até encontrar a arma. Retira-a da barriga da criatura e a ergue acima de sua cabeça, acerta a nuca e atravessa a garganta. Osgliath tomba.
- Sabe Osgliath, eu tenho fome e confesso que, graças ao meu mestre, aprecio o sangue imortal. Mas tu não morrerás hoje, ainda há um seguidor de Anúbis a ser pego. Pamela pagará por aliar-se a Zilan. E quanto a tua existência, eu mesmo arrancarei a mãos nuas.
Amarra-o. Existia a sede, o cansaço, mas isso não era nada para aquele ser. Não sabia se o monstro estava em suas caças ou nele mesmo, apenas cumpria ordens, isso acalmava o restante de consciência que possuía. Já havia parado de indagar-se há séculos, suas perguntas eram incabíveis. Ele apenas sobrevivia. Por sorte encontra seu corcel na metade da caminhada. A esta hora, Osgliath já voltava ao seu estado normal, então ele o amarrou no cavalo e montou. “Boa caça” pensa Caio. Se aquele era o único mercenário que representava alguma concorrência, então ele era uma presa fácil. Logo seria abatido e Zayed estaria alimentado.
Lucian avista seu lacaio voltando com seu troféu. Pega Inefir pela mão e a retira da sacada para que ela não os veja, a leva ao quarto. Sorri gentilmente e a beija na testa:
- Durma, querida, estou exausto e preciso resolver muitos problemas amanhã.
- Não trabalhe muito, senhor. Problemas tendem a nos consumir e nós tendemos a aumentá-los.
- Tu estás certa, criança. Prometo que em três dias irei ensinar-lhe algo totalmente diferente do estudamos até hoje.
A garota se retira carregando meia dúzia de livros. Baudelaire abre seu guarda-roupa e retira uma espada longa e uma adaga média que estavam escondidas atrás de suas vestes. Coloca uma capa que o deixa em trajes mais formais e desce. Certifica-se de que o quarto de Inefir estava trancado. Do lado de fora da casa encontra Johann fumando e Caio imobilizando Osgliath.
- Caio, deixe-o livre. Osgliath não me atacará, ele ainda conhece limites e respeita algumas regras.
Zayed solta o mercenário que cai sem forças. Lucian puxa a cimitarra de sua nuca:
- Creio que não conseguirás falar hoje, mas não há problemas, assim Pamela terá mais tempo para chegar aqui, Se cooperares, juro não machuca-la, caso contrário, saiba que ela pagará por cada estupidez que cometeres. Ficarás no estábulo esta noite, aos cuidados de Zayed. Não te preocupe, ele não causará danos permanentes.
O árabe arrasta a caça até o estábulo. Lucian passa as mãos nos cabelos e, com um olhar, consulta Johann:
- Não o machuque, Lucian, não é necessário, ele está incapacitado de falar. Assim só enfurecerás a senhora do Nilo.
- Juro que ensinarei a Pamela como valoriza seus tratos. Eu lhe dei proteção por mais de três mil anos e ela envia este mercenário medíocre para caçar-me. Se ao menos não tivesse se aliado a Zilan, eu seria capaz de ignorar todo este circo. Mas quero ouvir seus motivos e a oferta que Braddock fez. Vamos entrar meu amigo. Não há muito a que fazer esta noite. Deixemos Caio trabalhar.
Antes de atravessarem a porta, Lucian dirige um último olhar a Caio. Eles eram capazes de dispensar uma longa conversar e abrevia-la pelos olhos. Baudelaire sobre para o escritório com montantes de cartas e papéis que separara para ler. Köhler vai até o quarto de Inefir, confirmar se a menina estava bem. Ao abrir a porta depara-se com sussurros e gritos abafados. O corpo infante se debate entre os lençóis da enorme cama. Os olhos abertos se mantêm adormecido, servindo de espelhos para que um outro alguém lhe refletisse a verdade. As mãos pareciam amarradas e os pulsos retorcidos. Lábios recorriam a alguma divindade que ele não compreendia.
- Lucian! Ajude-me ou logo mais tudo estará perdido! Ela não respira mais!
Ao ouvir cada palavra com clareza, Lucian atravessa o corredor como uma sombra que se desfaz ao vento. As mãos tateiam o ar dentro do quarto escuro, a boca engole cada palavra ininteligível da menina. Segurando sua testa e seu tronco ele a imobiliza.
- Eu o expulso! Esta menina não será objeto de tua palavra!
As pequenas mãos envolvem o pulso masculino, os olhos avermelhados o encaram:
- Ela está vindo cada vez mais rápido! Sua boca devora a noite e vomita almas, seus olhos nada vêem, mas trazem a morte e tu sabes de tudo o que ela é capaz. Faz do teu câncer o teu aliado e me dê o que é meu de direito. Este corpo me pertence, Otis!
Eis um nome que não tocava os ouvidos de Lucian há milênios. O corpo que antes demonstrava certa resistência se solta, aquela imagem diabólica de dissipa no ar. As mãos de Köhler sangram de tanto segurar a pequena Inefir. Ele senta na lateral da cama:
- Meu amigo, não sei exatamente o que foi esta cena horrível, mas sei que estás tão assustado quanto eu. Se não tens respostas para me dar, então confesso que não sei muito bem o que fazer.
- A mulher é Pamela, ela está chegando perto de nós. Mas como isso é possível? Não há ser que consiga cruzar tantos quilômetros tão rápido. A menos que ela já esperasse por isso, e creio que deva ter trazido seus melhores homens, talvez outros seguidores de Anúbis. Se Caio tivesse matado Osgliath, estaríamos dentro de um conflito armado neste exato momento. Existe alguma ligação entre este anubiano e a senhora do Nilo, foi este o motivo para que ela soubesse como chegar aqui.
- Devo ordenar que meus vampiros impossibilitem a sua passagem?
- Não, ela entraria do mesmo jeito. Deixe que ela venha a mim e negocie seu desertor. Eu a terei mais uma vez ao meu lado e farei com que o Egito me sirva por milênios mais.

outubro 22, 2007

4º Capítulo – Inefir Van Kirsh

Os primeiros dias de inverno que irrompiam o outono eram sempre acinzentados, misturando-se com o leve marrom e amarelo das folhas secas. Não havia neve, era apenas um dia nublado, como céu que ameaça derramar chuva. As arvores antes imponentes, agora se despiam a beira da estrada da fazenda Köhler. A carruagem viajava rapidamente, deixando marcas no solo escuro.
A mansão era uma construção muito antiga, feita em pedra e madeira. Na frente uma porta de quatro metros se erguia, as janelas eram vitrais. O carro para em frente a escadaria, uma menina vestindo uma capa vermelha e um vestido negro desce, suas malas são descarregadas pelos serviçais. O mordomo a acompanha até a sala de visitas.
- O senhor Köhler não poderá receber-me?
- Sinto muito, meine dame – respondeu o mordomo - Fürst Köhler não se encontra em casa durante as manhãs. Ele sai com o sócio bem cedo.
- Quantas pessoas moram com o senhor Köhler?
- Por enquanto duas pessoas, meine dame, seus convidados Lucian Baudelaire e Caio Zayed. Não existe previsões sobre o tempo que ficarão na masão. Mon seigneur Baudelaire está conosco há sete meses, creio eu. Senhor Zayed chegara há algumas semanas. Seus aposentos já estão arrumados, creio que a senhorita queira repousar após uma viagem tão longa.
Ela confirma com a cabeça. Os dois sobem a escadaria feita em mogno, Inefir observa cada detalhe do corrimão. Eles seguem até o fim do corredor, entram na última porta a esquerda. Os pés trilham um passo após o outro, os olhos se fixam nas irregularidades das pedras no chão. O quarto era totalmente decorado em mogno e tecidos de cores neutras, havia uma cama de casal muito grande no centro do cômodo, a frente dela um baú destinado as roupas. Ao lado oposto a entrada, uma grande sacada com trepadeiras que estavam aparentemente mortas por causa do inverno. Existia um portal a frente da cama que levava a uma sala íntima com um grande sofá, duas poltronas, estantes de livros e uma escrivaninha. Em cada sala havia uma lareira e algumas lenhas depostas ao lado dela.
A bagagem da menina é deixada no quarto.
- Descanse, quando a senhorita acordar, pedirei que a camareira venha arrumar seus pertences – diz o mordomo, se retirando.
Sentindo o corpo fatigado, a pequena se entregou ao colchão macio e lençóis brancos e sedosos. Os pés descalços enrolavam-se aos tecidos para afugentar o frio, as pálpebras caiam pesadas. Ouvia apenas sons abafados, o ranger de casa velha, o cochicho da fofoca da criadagem, o respirar fundo, distante, de alguém que dormia. Adormeceu, vestia a capa vermelha e o vestido negro, não se dera ao trabalho de trocar-se. Desde a morte de seus pais Inefir não sentia liberdade para sonhar. Costumava ter um sono leve, raras vezes tinha pesadelos.
A noite desvirginava o dia, libertando Johann de sua prisão feita de luz. Ele troca suas roupas e vai ter com o mordomo:
- A senhorita Van Kirsh chegou?
- Sim, mein herr, eu a acomodei no quarto ao lado do teu.
Surpreso, Köhler olha para o corredor, onde ainda se encontravam três malas. Ele era capaz de sentir cada ser que pisasse em seus domínios, no entanto, não percebera mais que uma carruagem e um simples motorista chegando. A garota passara despercebida, não sabia como, mas até para ele, ela se tornava invisível quando desejava. Com um aceno ele pede para que o mordomo continue com seus afazeres. Sozinho, ele caminha até o quarto. Toca a maçaneta e para, pensativo.
Ainda adormecida, Inefir sente um peso deitar-se ao seu lado. A cama afunda e braços entrelaçam seu corpo, apertando fortemente e trazendo para perto de um corpo. Ela tenta abrir os olhos, mas algo parece prende-la ao sono. Mãos grandes percorrem o interior de sua capa, tocando seus cabelos e rosto, retirando-lhe o capuz. O corpo lateja, perdendo-se entre medo e raiva, enfim ela se solta. Analisa o quarto em busca de alguém, só encontra Johann abrindo a porta. Ela percebe que o capuz fora retirado.
- Perdoe-me por não recebê-la – diz Köhler – Costumo ocupar-me com os trabalhos da fazenda durante o dia, dificilmente a encontrarei cedo.
- Compreendo perfeitamente, senhor – ela se levanta e ajeita o vestido – Meu pai era um homem ocupado, a solidão não me incomoda. Quanto a recepção, não precisas te preocupar comigo. Fui muito bem recebida.
- Alegro-me em ver que agora tu falas muito mais que em nosso primeiro encontro.
- Fez-se necessário, agora eu preciso saber como viver sozinha.
- Não mais, eu a trouxe para minha casa para que ela seja tua casa também. Sei que não serei teu pai, longe de mim tentar ser. Mas eu prefiro vê-la aqui a saber que estás em um orfanato. Venha, lhe apresentarei aos meus companheiro. Eles viverão temporariamente conosco.
Juntos, eles descem as escadas até a sala de jantar. Lucian e Caio estão sentados, levantam-se e cumprimentam Inefir. Johann puxa a cadeira ao seu lado e a convida a sentar.
- Este é Lucian Baudelaire, um amigo francês que passará muito tempo conosco, e este é Caio Zayed.
Cumprimenta-os e se acomoda na cadeira. O mordomo serve Inefir enquanto Lucian conversa com Johann sobre algumas decisões políticas do rei inglês. Caio levanta e coloca um pouco de lenha na lareira, acende o fogo. A menina analisa os três homens, detalha seus movimentos e mentaliza algumas situações, pressupõe suas personalidades. Percebe que Zayed demonstra ser o mais rústico, porém seus movimentos eram cuidadosos e meticulosamente calculados. As mãos possuíam uma habilidade incrível. Johann é o mais sério, compenetrado, preocupava-se em ouvir e falar pouco. Lucian era o único que se permitia um convívio mais sociável, embora seus sorrisos fossem vazios. Mesmo aparentando ser o mais novo, sua voz carregava o peso do mundo.
Ela come muito pouco, limpa os lábios com um lenço. Lucian a olha e sorri:
- Satisfeita? Se quiseres peço a copeira para trazer-lhe algo doce.
- Não é necessário, obrigada. Mas estou sem sono, não gostaria de recolher-me agora.
- Ótimo, então venha conosco até a sala de visitas.
O único cômodo da casa que não possuía o tom sério de Johann era a sala de visitas. Ela havia sido decorada por uma moça que morara com ele durante alguns anos. Köhler fizera questão de apagar cada vestígio da presença daquela mulher, menos aquela sala, que não lhe incomodava. Parecia estar a parte de toda a casa. As cortinas eram douradas, as cores vivas tornavam a noite de inverno da Alemanha um pouco mais agradável.
Enquanto Baudelaire serve pequenas taças com licor, Johann senta-se ao lado de Inefir:
- Já que estás aqui, é importante que eu saiba como estão os teus estudos.
- Senhor, antes de me levarem para o orfanato, meu pai me ensinava espanhol e noções de economia básica.
- Seu pai lhe ensinava música?
- Não, senhor. Este era meu passatempo, sentava-me a frente do piano e ouvia os sons das teclas, uma a uma. Logo percebi que poderia tocar.
- Se interessa por ciências exatas?
- Um pouco, mas a Igreja não aprova.
- Eu não sigo as regras do papa. Estudarás o que tiveres vontade. Eu contratarei um professor na capital.
- Se aprovares, Johann – diz Lucian – eu serei o mentor da menina. Viajei muito e conheço além de teorias, posso ensinar-lhe algo sobre políticas de Estado. Darei aulas a noite e durante o dia exercitarás o que tiveres aprendido no dia anterior. O que mais gostas de estudar?
- Línguas, literatura e música – responde Inefir.
- Pois bem, tu serás o mentor da menina. Podes usar todos os livros que estão na biblioteca. Caso precises de outros, avise-me e mandarei traze-los.
- Tens uma biblioteca? – Van Kirsh fala, atônita – Mas os livros são posse da Igreja.
- Sim, e algumas obras de arte proibidas também. – ele sorri de forma fria – Outra coisa que acho importante. Caio lhe ensinará a montar.
Caio para de mexer nos livros que estavam em uma estante próxima a janela. Surpreso, ele olha para Johann:
- Creio que não terei tempo.
- O cocheiro dará lições durante as manhãs e tu cavalgarás no fim da tarde com ela, apenas para que ela treine com alguém mais experiente.
- Sim, Johann – responde Zayed, contrariado.
- Ótimo.
Era óbvio que Caio não sabia lidar com pessoas, muito menos com crianças, mesmo se tratando da precoce Inefir. O encanto de Johann e Lucian pela menina era claro. Há trinta anos eles haviam acolhido uma garota chamada Margot. Ela era membro da família Braddock, uma irresponsabilidade pela qual Baudelaire sempre criticara Satidus, transformar uma criança de doze anos em uma criatura da noite.

outubro 10, 2007

3º Capítulo - Caio Zayed

Lucian despertou nas primeiras horas após o adormecer do sol. Foi até a escrivaninha de seu quarto e escreveu uma carta destinada a Caio Zayed, informava uma mudança de planos. A visita de Lilith na noite anterior mostrou as verdadeiras intenções do governante inglês. Zilan não atacava a potencia França, ele pretendia assassinar Baudelaire e impedir que o país se recuperasse de um possível golpe. Lacrou o envelope e desceu as escadas, deparando-se com Johann no hall. Curiosamente, o germano segurava uma carta em mãos, com o símbolo da família Köhler. Lucian se aproxima:
- Não sabia que o amigo possuía correspondentes.
- São apenas negócios ordinários, Lucian. Nada demais.
- Se não fosse nada demais não teria o símbolo da família e tantos documentos dentro deste envelope. Johann, tu não podes enganar-me. Eu sei o que há nesta carta. Caso qualquer outra pessoa me contasse, eu duvidaria. Na minha opinião, é precipitado de sua parte.
- Não é compaixão, como o senhor pensa. É apenas uma questão de senso, de respeito a memória de Joseph e uma forma de agradecer a prestação de serviços.
- O que há de tão especial na menina?
- Ela me lembra Margot.
- Margot não nos diz mais respeito. Se um dia ainda tivermos algo a resolver com ela, será no dia que Zilan decidir usa-la.
- Ele não seria louco.
- Não duvido que ele o fizesse, mesmo ela sendo uma criança.
Baudelaire eleva o indicador até os lábios e aponta com a outra mão para a porta da cozinha, que estava se abrindo. A camareira entra no cômodo e, sorrindo, espera orientações. Johann toma a iniciativa:
- Senhora, eu gostaria de enviar esta carta a casa do juiz Bohrer e encerrar os serviços.
O cocheiro carrega as malas até a carruagem, Lucian chama o serviçal:
- Entregue esta carta para o senhor Caio Zayed, mas deve ser em mãos. Se o sigilo desta encomenda for quebrado, tu pagarás com a tua vida.
O homem monta um cavalo e recebe uma sacola com algumas moedas de ouro para financiar a viagem. Baudelaire e Köhler entram no celeiro, onde o cocheiro arrumava as bagagens. Dez minutos depois outros dois homens chegam para ajuda-lo. Carregam duas grandes caixas de madeira e colocam em um outro carro de cargas. Seguem seus caminhos.
A carruagem chega em quatro dias a fazenda, a noite caia estrelada. Um homem os aguarda na entrada da mansão. Zayed era um homem de constituição considerável, possuía ombros largos e pernas fortes, mas seus músculos não eram tão desenvolvidos quanto os de Lucian. O corpo mais leve lhe garantia agilidade. Sua pele era clara, um pouco mais escura que a de Johann, os olhos eram de um castanho médio e os cabelos loiros caiam em cachos sem forma até a metade de seu pescoço. Vestia um thoub de algodão cru. Cumprimenta primeiramente Johann, beijando-lhe a face. Em seguida beija os pés de Lucian.
Caio era considerado o braço direito de Baudelaire. Havia nascido em Roma e servido ao Império durante a tomada da Pérsia. Quando homem e vampiro se cruzaram pela primeira vez, Lucian o requisitou para sua guarda pessoal. Poucos anos após a morte de cristo, ele escreveu uma carta ao patriarca da família Zayed, era um amigo muito próximo, pediu para que Caio fosse treinado e iniciado a vida eterna. Vicious levou-o para o Irã e tornou-o um mercenário renomado, transformando-se no membro mais procurado das forças orientais. Em poucos anos, Caio virou o herdeiro da família Zayed.
- Perdoem-me pelo atraso, precisei resolver alguns assuntos na Índia. Acredito que ficarás feliz, Lucian, ao saber que encontramos uma série de pergaminhos que não se encaixam em nenhum registro, a não ser em algumas cartas adquiridas por Dimitri. Obvio que nosso amigo não revelou a origem das correspondências, mas achamos que os textos podem ser até mesmo mais antigos que o senhor, mestre.
- Ora, devo receber os relatórios de Dimitri em algumas semanas, mas não é por isso que o chamei. Venha, vamos até a biblioteca. Hoje em dia cada palavra age como um punhal no peito de seu orador.
Os servos carregam as bagagens. Os dois caixotes de madeira são retirados, vazios, tendo apenas seu fundo coberto por feno. Os três homens sobem as escadas. Ao chegar no cômodo encontram uma moça com pouco mais de quinze anos deitada na namoradeira próxima a janela. Ela possuía cabelos loiros presos em coque e estava despida. Como em qualquer sociedade, existe uma hierarquia entre vampiros. Muitas vezes o mais experiente é privilegiado, consequentemente, o mais forte. Johann tomou a mão direita de Lucian entre suas mãos, levou-o até a moça e sinalizou para que ele a possuísse.
Baudelaire sentou-se ao lado da jovem, tocou seus cabelos e beijou sua face despertando-a. Assustada, ela o questiona:
- Quem é o senhor? Eu estava colhendo trigo com meus pais quando... como eu vim parar aqui?
Ele franze os lábios pedindo silencio. Em um breve instante ela mergulha nas pupilas rajadas em verde e amarelo, estende a mão esquerda e entrelaça os dedos nas mechas negras dos cabelos do vampiro. O seio explode, o sangue irriga os lábios, ela anseia que ele a toque, puxando-o em direção aos seus lábios, perdendo o controle. Calmamente, Lucian a encaixa em sua cintura, amarrando as coxas femininas e torneadas em volta de seu corpo. Encontra o ponto que deseja, próximo ao seu mamilo direito. Primeiro a língua percorre a pele, como uma sanguessuga espalhando anestésico, depois os dentes se alojam na pele alva, proporcionando um prazer que ultrapassa o orgasmo humano.
Este era o sinal que permitia que Johann e Caio se alimentassem, após a escolha do senhor, seus subordinados sem aproximam da safra e permitem saciar-se. Köhler vai ao pulso, sem encostar muito na vítima. Os dias de viagem lhe deixaram cansado, mas aquele não era seu tipo preferido de sangue. Zayed toma o pescoço, destruindo com a brutalidade como encaixa sua mandíbula no corpo humano. Acostumado a caças rápidas, na calada da noite, ele finaliza antes dos companheiros. O germânico se afasta do corpo também. Lucian coloca seu polegar na jugular da menina, a pressiona por três segundo, os braços pendem sem vida.
Afastam-se, limpam-se. Johann chama o mordomo, ele retira o corpo sem a menor surpresa. Sentados em volta da mesa, iniciam uma conversa que duraria a noite inteira. Lucian explica a situação da Inglaterra, como Caio passara os últimos anos no oriente, apenas visitando-o a cada três meses, ele não estava informado sobre a situação dos governos. Enfim, intrigado com o conteúdo da carta enviada por Baudelaire, diz:
- Senhor, entendo as razões de Zilan, mas não seus métodos. Existem muitas maneiras de encontra-lo, mas não de destruí-lo. Talvez o próprio Satidus pudesse faze-lo, ou algum dos anciões do mediterrâneo, mas não um mercenário qualquer.
- Confesso que a principio acreditei que Zilan fosse ingênuo, imprudente. Jogar tropas contra a França, mesmo que inseridas no meio de uma guerra dos homens, é loucura. Mas quando acompanhei Johann até Dresda, descobri que as batalhas na França serviram apenas para desviar o olhar dos Cainnitas e me afastar do país. Ele já previa que eu me refugiasse, sozinho, logicamente, não confio em nenhum de meus homem, com exceção de ti. Então ele contratou um mercenário e fez um trato com um sucubus. Um casal de amigos e Johann foi executado há algumas semanas, analisamos os corpos e fizemos anotações. A assinatura do assassino é muito parecida com a tua. Creio que seja da mesma ordem.
Ele entrega um papel com o desenho da queimadura que estava na nuca de Marie Van Kirsh. Caio olha de perto o símbolo, pega um pedaço de carvão que estava na mesa do escritório e rabisca algo ao lado do desenho.
- O senhor já ouviu algo sobre Osgliath?
- Claro, ele é a criança de Pámela, a senhora do Nilo.
- Pois bem, mestre, então há mais neste caso do que estamos realmente olhando. Esta é a assinatura de Osgliath, senhor. Ele foi contratado pela Inglaterra, mas Pámela permitiu isso. Eis aqui o brasão
- Ela nunca me trairia!
- Não é caso de traição ou lealdade, é questão de interesse. Existe um principio que qualquer assassino segue, um trabalho só é aceito se não existe riscos para o meliante. Caso Pámela visse algum risco em atacá-lo, ela proibiria Osgliath de trabalhar para Zilan. Existem duas explicações para as ações desta senhora. Ou ela tem interesses em derrubá-lo, Zilan pode ter prometido benefícios, ou ela está sendo chantageada. Eu sugiro que o senhor escolha a primeira opção como base, afinal, trata-se de uma casta de assassinos.
Lucian fica pensativo. Caso o Egito o traísse, os laços entre a França e o Oriente se tornariam muito frágeis, obrigando-o a obter apoio através da violência, como já fizera.
- Há mais uma coisa, Caio. Quando lhe falei em sucubus não especifiquei quem estava a serviço de Zilan. Ele invocou Lilith para caçar-me.
- Impossível! Lilith foi extinta, logo após o achado do esquife de marfim na Itália.
- Não, ela estava em meu quarto há cinco dias. Tentou seduzir-me e alimentar-se de minha essência. Eu a afugentei, mas senti sua presença durante nossa viagem, desaparecendo apenas quando entramos na propriedade.
- Ela não entrará aqui – diz Johann – Minhas terras são protegidas por magia ancestral. Por enquanto, é melhor continuarmos trancados aqui.

setembro 22, 2007

2º Capítulo - Viagem a Dresda

Lucian completava seis meses de estadia na mansão Köhler. Há muito tempo ele não conseguia desligar-se de problemas e aproveitar a calma do campo. Na França sua vida era envolta por festas e compromissos sociais, a Alemanha garantia uma privacidade incrível. No primeiro mês recebera uma carta de Caio, seu aprendiz, dando as coordenadas do exército inglês. A cada mês ele enviava nova carta avisando sobre o exercito que reunia, caso fosse necessário atacar Zilan. Naquela manhã Lucian e Johann recolheram todas as informações que possuíam e sentaram-se no escritório formando estratégias de ataque, quando o mordomo bateu.
Johann levantou-se. Atendeu a porta e recebeu um envelope branco com o selo da família Van Kirsh em cera vermelha. Sentou-se, deslacrou a carta e leu calmamente. Depois encarou Lucian:
- Os papéis de tuas terras na Bavária estão prontos, a compra está feita.
- Então devemos buscar os comprovantes com teu amigo.
- Creio que isso não será possível. Joseph e sua esposa foram mortos há uma semana. Nossa visita será apenas um pesar, uma despedida.
- Eu sinto muito.
- Não é necessário, eram apenas humanos.
A frieza de Johann espantava Baudelaire. Era normal que os homens germânicos não fossem calorosos e demonstrassem sentimentos, mas Köhler era assustador. Ele havia criado o sistema de treinamento da guarda oculta alemã. A preparação selecionava apenas os homens que se encaixavam no perfil que ele julgava adequado, os demais eram mortos. Por isso cada vampiro escolhia minuciosamente sua criança, a falha desta era o fracasso do mestre também. A cada dez soldados que iniciavam o treino, apenas um sobrevivia. Seres humanos eram apenas gado para estes monstros que muitas vezes matavam e se alimentavam da própria espécie.
Na noite seguinte os dois tomaram um carro até Dresda acompanhados de um cocheiro e um serviçal. Foram instalados em um hotel próximo a casa dos Van Kirsh, mantiveram sua presença em segredo durante dois dias, o tempo em que Lucian estudava a cidade e observava as pessoas em longas caminhadas noturnas. A casa de Joseph estava vazia e sua herdeira dormia na casa do juiz de fé da cidade. Ocasionalmente, quando havia uma abertura da parte dos habitantes, Baudelaire fazia perguntas. O olhavam desconfiados, ele era um estrangeiro, embora não possuísse sotaque, sua fala era muito calma para um germânico.
Tudo o que conseguiu descobrir foi que o casal havia sido enterrado dois dias após suas respectivas mortes, não realizaram velório e os caixão não foram abertos. Lucian concluiu que havia algo extraordinário naquele assassinato, precisava encontrar o coveiro e ele mesmo estudar os corpos. Foi assim que, na segunda noite na cidade, Johann foi obrigado a sair de seu quarto. Alugaram dois cavalos e enviaram seu serviçal para subornar o coveiro a fim de desenterrar os conjugues. Na calada da noite, quando não transitava uma viva alma pela cidade, pegaram suas montarias e foram até o cemitério. Encontraram os dois esquifes colocados sobre o altar da capela e o coveiro ao lado.
- Tome, pelo teu silencio – Lucian entrega uma moeda de ouro ao homem.
Johann encara os caixões, eram feitos de madeira escura e possuíam cruzes esculpidas na tampa.
- Então, vamos abri-los, colocamos os corpos no chão – Köhler abriu a primeira tampa – Lucian, olhe isso.
Era Marie, a esposa, estava colocada de bruços e tinha um corte feito por espada desde o cóccix até a nuca. Havia uma marca estranha queimada acima do corte:
- O que tu achas, senhor, ela foi torturada?
- Não, Johann, é uma assinatura. Esta mulher foi morta por um mercenário, e pela perícia de corte, eu juraria que o assassino é da mesma linhagem de Caio. Olhe, chega até a coluna, mas é de uma leveza e paciência incríveis.
- Caio é persa, não é mesmo?
- Não, romano, mas foi batizado pela família Zayed, seu treinamento e arte são árabes. Vire-a, deixe-me olhar a garganta.
Ao virarem o corpo encontraram um corte na garganta. Lucian colocou seu dedo no ferimento e forçou-o até alcançar o esôfago, encontrou um pequeno triangulo de metal no fundo do tubo.
- Ela morreu lentamente, foi espancada e depois recebeu golpes de uma espada de lâmina cortante, logo não é européia. O último ferimento foi o da garganta, e aqui está à moeda da família Braddock. O olho de Rá, deus sol, já que Satidus era originado da região egípcia. Sinto lhe informar, mas nós matamos seu amigo indiretamente.
- Não há o que sentir Lucian, não foi um grande sacrifício. Ajude-me com este corpo, senhor.
Com pouco esforço os dois abriram a tampa do segundo caixão. Ficaram parados por algum tempo observando o corpo.
- Corrija-me se eu estiver errado, mas falta algo neste corpo.
- Sim, Johann, a cabeça foi arrancada. Isso é apenas o que os teus olhos podem ver, mas o corpo foi preenchido com feno. Não há um órgão dentro deste defunto.
- Por que apenas o corpo de Joseph estaria vazio?
- Porque ele foi deposto em um ritual – Lucian mostra um pequeno pentagrama no pulso do morto – Eis o símbolo de invocação. Eu arriscaria que foram dois assassinos, um mercenário e um demônio, uma fêmea.
- Te referes a um sucubus?
- Não faz sentido, não há um encaixe! Por que um Braddock negociaria com um sucubus? Aliás, por que contratar um mercenário e fazer acordo com um demônio?
Köhler faz silencio e olha para Lucian:
- Tu consegues ouvir?
- Cinco cavaleiros vêm da direção norte, acabaram de pegar a estrada, chegarão dentro de quinze minutos. Johann, rápido!
Eles montam com muita pressa, trotam em ritmo alucinante até o hotel. Chegando a dez metros da construção espantam os cavalos e continuam a pé. Utilizando de sua leveza, ambos arrastam seus corpos pelas paredes de pedra, entram pela janela do quarto. Limpam as botas e vestem camisolas. Aguardam durante meia hora. Um pulso irritante bate a porta e uma voz feminina extremamente aguda irrompe o cômodo.
- Mein Herr! Abra a porta.
Baudelaire levanta-se da cadeira e leva um livro a mão. Veste um roupão vermelho que estava pendurado em um cabideiro.
- Posso ajudá-la?
- Há cinco senhores na sala de estar que desejam vê-los.
- Já passa das doze horas, senhora, não irei recebê-los.
- Mas, senhor, são homens da lei.
- É melhor descermos, Lucian.
A senhora analisa Johann dos pés a cabeça. Surpresa, curva-se e o reverencia:
- Perdoe-me, senhor. Não sabia que tu estavas hospedado aqui. Caso tu queiras eu descerei e pedirei para os cavalheiros voltarem amanhã após o desjejum.
- Não será necessário. Nós desceremos em cinco minutos.
Baudelaire fecha a porta:
- São os mesmos cavaleiros que tentaram nos flagrar no cemitério, Johann. Mantenha a calma, provavelmente estão nos seguindo por sermos forasteiros e o coveiro deve ter dado informações sobre nossa visita. Como fui ingênuo, nosso comportamento levanta suspeitas, as minhas perguntas e o fato de chegarmos agora a cidade. Eles procuram um assassino.
Quando descem as escadas, Lucian e Johann deparam-se com cinco homens vestidos impecavelmente. O mais velho era Otto Bohrer, o juiz de fé da cidade, estava acompanhado por seus dois filhos, Ludwing, o mais velho, e Iam, ambos serviam a guarda da cidade. Os outros dois eram senhores responsáveis pela investigação das mortes, haviam sido enviados de Berlim. Hanz Kirchhof era um homem da Igreja e Fritz Schneider servia a guarda do império.
- Senhor Köhler, por que não noticiou tua chegada? – Otto era um homem em seus cinqüenta anos, os cabelos estavam totalmente grisalhos e os olhos opacos, sem brilho ou vida, a pele enrugava sobre seu nariz e extremidades.
- Preferi ser discreto, vim apenas para tratar de negócios, já que Joseph morreu e eu havia deixado alguns documentos com ele.
- Sim, as escrituras estão em minha casa. Eu recolhi tudo o que havia no escritório de Van Kirsh.
- Senhores, este é Lucian Baudelaire, de Paris. Ele está hospedado em minha casa, procura exílio. A França está em uma situação horrível.
- Seja bem-vindo, senhor Baudelaire. Já ouvi falar muito do senhor, creio que ouvi até exageros. Acredita que disseram que o rei lhe consultava antes de travar batalhas?
- Bem, meritíssimo, eu deixei Paris pois tive um pequeno desentendimento com minha alteza. Carlos VI é sábio, mostrou ser um aluno exemplar, mas cometeu um erro clássico. Entrou em guerra contra a Inglaterra, que logo será uma potencia maior que a França. Justamente quando mais precisava o rei não me ouviu.
- Bem – Otto parece extremamente desconcertado – Mas o senhor é muito novo.
- O juiz está se limitando a um olhar superficial. Lucian pertence a uma família tradicional, especializada em assuntos bélicos – Johann senta-se – Pois bem, vamos ao ponto. Já está muito tarde. O que os senhores desejam?
Fritz toma a frente. Ele era um mancebo metido a esperto, usava roupas gastas, um pouco foras de moda. Tinha pouco mais de um metro sessenta e um jeito de falar petulante:
- Estamos investigando a morte do senhor e da senhora Van Kirsh e os senhores são os únicos forasteiros que encontramos hospedados na cidade. Alguns moradores comentaram sobre o comportamento estranho do senhor Baudelaire, fazendo perguntas sobre o crime. Hoje, ao cair da tarde, o coveiro nos avisou sobre dois homens que pretendiam abrir os caixões da família Van Kirsh e haviam enviado seu lacaio para acertar um preço para ele desenterrar os corpos.
- Isto é muito fácil de explicar, senhores – Baudelaire chama a camareira e lhe pede xícaras com chá – Joseph Van Kirsh era o contador de Johann. Ele estava realizando uma compra de terras na Bavária no nome de meu amigo, mas que seriam utilizadas por mim. Recebemos a noticia do ocorrido e ficamos preocupados com os documentos que estão na casa do senhor juiz e, obviamente, com o crime. Fiz algumas perguntas, mas não sei nada a respeito dos caixões desenterrados. Isso tudo pode não passar dos delírios de um homem solitário.
Lucian encerra a frase com um leve sorriso no rosto. Aquela criatura possuía uma lábia espantadora, com apenas duas frases ele havia convencido a todos naquela sala. Nas conferencias internacionais Baudelaire era conhecido como a boca do diabo. Ele podia fazer uma pessoa pensar o que ele desejasse. Dez minutos de conversa desenrolaram-se em volta do crime. Johann levantou-se, andou até a lareira:
- E o que será feito da jovem Inefir?
- Por enquanto, ela está em minha casa, aos cuidados de minha esposa – responde o juiz – Dentro de alguns dias ela deve ser enviada para um orfanato.
- Mas isso é um insulto a memória de meu amigo!
- Veja bem, senhor Köhler, a menina não possui herança ou alguém que a queira. Um orfanato é o mais adequado.
- E a família? O nome Van Kirsh é tradicional, a família possui muita influencia.
- Sim, senhor, e é por isso que conseguiram que uma criança de pais excomungados fosse aceita em um orfanato católico. Mas a família não quer a filha de um pecador dentro de sua casa.
- Há algo errado, Joseph era religioso.
- Antes de Inefir nascer ele se desentendeu com o papa. A Igreja influenciou a todos que podia para que os negócios de Joseph falissem. Marie não abria mão de seus luxos. Em alguns anos ele se tornou um nobre decadente. A história foi mantida em segredo para preservar a honra da família, mas o pai de Joseph nunca mais o olhou nos olhos e nem assumiu Inefir como neta.
- Muito bem, senhores. Sinto interromper, mas já está tarde. Johann, devo me retirar.
- Sim, já está tarde. Amanhã passo em tua casa, senhor Bohrer, preciso de meus documentos. Boa noite.
Os senhores saem e Baudelaire se dirige ao fim do corredor do segundo andar, enquanto Köhler segue para o quarto ao lado. Lucian retira o roupão e a camisola, deita-se na cama desnudo. Não tinha necessidade de dormir, apenas não queria chamar mais atenção. Fechou os olhos e tentou se desligar de tudo, da guerra francesa, da traição Braddock, dos problemas com suas terras e com o surgimento de dois assassinos. Sentiu um leve toque subir por suas pernas por baixo das cobertas. Abriu os olhos e deparou-se com uma forma feminina de longos cabelos dourados que caiam em cachos. Tomou algum fôlego, mas a única palavra que se desprendeu de seus lábios foi “Hirithrin”.
A mulher deitou seu corpo nu sobre o tórax de Lucian, posicionou as coxas em torno de sua cintura e encaixou-se em seu membro. A medida que seus quadris se moviam, as pernas apertavam mais o corpo masculino, fazendo-o sufocar. Baudelaire tenta distinguir a realidade e a ilusão, tenta ignorar seu prazer. Aos poucos sente um cheiro ácido de pimenta tomar o quarto. Ergue as mãos e segura os cabelos da mulher:
- Sua víbora, nunca mais ouse tomar a forma de Hirithrin!
Uma cortina de nevoa parece se desfazer, seus ouvidos voltam a captar o som, do lado de fora da porta Johann tentava abri-la. Ao voltar os olhos a criatura que estava em seu quarto, ele percebe a transformação de pele em escamas e antes que possa definir uma forma, ela se desfaz em cinzas, deixando apenas uma mecha de cabelos dourados em sua mão. Köhler arromba a porta:
- Que diabos foi isso? Eu ouvi gritos ensurdecedores, agudos.
- Aquilo, meu amigo, foi a voz de Lilith, ela invocava um feitiço para cegar-me e ensurdecer-me. Agora eu entendi a estratégia de Zilan. Devemos partir amanhã a noite.
Ele joga a mecha fora, antes de tocar o chão ela se desintegra.

setembro 16, 2007

1º Capítulo - Monsieur Baudelaire

Império Sacro Romano Germânico – Ano 1407 d.C.

Noite fria e silenciosa, nada incomum para Johann. Era assim sempre, trancava-se em sua fazenda e esperava dias até sentir-se obrigado a sair e pegar um carro até a cidade. Seu compromisso, no entanto, fugia totalmente de sua rotina. Ele esperava uma visita formal, iria jantar com o senhor Joseph Van Kirsh, um amigo de muitos anos que iria avaliar suas posses e auxiliá-lo na compra de terras na Bavária. Seus empregados preparam um típico banquete germânico, respeitando o gosto refinado do convidado.
O senhor Johann Köhler era um homem distinto, um barão que honrava o escudo de sua família. Possuía cabelos negros que, normalmente, prendia em trança alcançando seus ombros. Seus olhos eram de um negror incomparável, mergulhados em seriedade e mistério. Possuía uma estatura mediana para sua origem saxônia, a pele era pálida, quase morta. Aparentava ter quarenta anos, mas nem a idade lhe fez necessários esposa e filhos.
O clã Köhler estava há quatro séculos na Germânia, eram responsáveis por mais da metade do desenvolvimento do país, mas poucos podiam vê-los. Normalmente, apenas seus serviçais, que eram escolhidos a dedo e deveriam passar sua vida inteira servindo-os.
Köhler serve-se de um pouco de vinho, senta-se a frente da lareira e chama seu mordomo.
- O senhor Van Kirsh cruzou o portão de entrada, deve chegar à frente da casa em dez minutos, quero que ele e sua família sejam recebidos à porta. Coloquem a mesa e sejam impecáveis. Peça ao cocheiro para desatrelar a carruagem e guardar os cavalos no meu estábulo. Sirva um pouco de vinho para o senhor e licor a sua senhora, quanto à criança, leve alguns biscoitos de gengibre e um pouco de chocolate quente. Avise que descerei em cinco minutos.
O mordomo se retira. Era comum que Johann soubesse da chegada de seus convidados sem que eles fossem anunciados. Aquelas eram as suas terras, seu refúgio, conhecia o cheiro de cada animal que andava sobre elas, conhecia a leveza de cada passo, o impacto de cada pata ou pé humano. Normalmente não gostava de visitas, só as recebia para tratar de negócios, quando seu contador não podia fazê-lo ou quando se tratava de algo extremamente pessoal. A compra das terras era um segredo, um negócio que deveria ser feito com cautela.
Joseph foi levado à sala de visitas, servido adequadamente, aguardava Johann sentado, tentando aquecer-se. Era um economista renomado, responsável pelas posses de muitos nobres do Império. Ele mesmo era um nobre, mas estava falido por causa das dívidas e luxos de sua mulher Marie. Sua pequena filha possuía nove anos, estudara com o pai desde os quatro. Já falava três línguas, alemão, francês e inglês. Seus dedos eram precisos ao tocar um piano, mas sua voz quase não era ouvida, mesmo ao dia-a-dia, ela sempre permanecia calada. Costumava trocar algumas palavras apenas com seu pai.
- Espero que o senhor tenha apreciado o vinho – Johann entra no cômodo – Um amigo enviou-me algumas garrafas da França.
- Recepção impecável, meu amigo, fico feliz em conhecer sua casa.
- Indelicadeza a minha não receber muitos convidados, mas viajo muito, por isso é mais prático visitá-los. O jantar está servido. Venham.
Sentaram-se junto à mesa e degustaram o jantar. Johann apenas os observava, tomando vinho e comendo poucos pedaços de carne bovina mal-passada. Conversaram sobre os últimos acontecimentos políticos e um pouco de moda. Marie falava das fofocas da nobreza, enquanto Köhler bocejava entediado, mas sorria para manter a compostura e não matar a mulher que não dava descanso a própria língua, dizendo futilidades. O que realmente lhe chamou atenção foi a menina, Inefir comia vagarosamente, não olhava para cima, os olhos cerrados acompanhavam a comida sendo elevada sobre o garfo e se fechavam levemente quando o talher chegava a boca.
Após o jantar todos foram até a sala de música onde Johann serviu-lhes licor e sentou-se junto ao piano. Seus dedos eram rápidos e o gosto por música refinado, tocou duas canções até que a criança levantou-se. Aproximou-se do piano e, encarando-o com uma segurança surpreendente, disse:
- O senhor me permite tocar? Isto é um dueto.
Ele se afasta dando espaço para a garota, com um ar superior ela coloca os dedinhos sobre as teclas de marfim, tão pálidas como a pele infantil. Johann dá a primeira nota, começa a canção, ela a executa divinamente, fechando os olhos e deixando que cada ponto harmônico a leva-se a nota seguinte. Os dentinhos mordem os lábios inferiores, aquilo era paixão, nada a menos. Por isso preservava as palavras, preferia descansar a língua e comunicar-se através das mãos, através daquela propagação esplendorosa de som. Köhler deixa que ela tome o controle da melodia, fecha os olhos e prova a mesma sensação, então ele diz:
- Use tua voz, quero ouvi-la. Apenas acompanhe a música com a tua voz, de forma delicada.
Inefir sente-se insegura, mas o pedido era irrecusável, algo naquele homem a atraia a ponto de obedecer a cada palavra. Ela deixa o ar passar entre a boca semi-aberta, os olhos reviram como se algo guiasse sua voz para o tom exato que Johann queria. O som era mais puro que o toque de água sobre a face de uma virgem, cada vibração daquelas cordas vocais soavam como o orgasmo da mais bela ninfa guardada por Gaia. Não era nada muito agudo, nem grave. Era suave, apenas isso. Não importava como ela deveria fazê-lo, apenas deixava sua vontade ultrapassar o limite de sua voz.
- Basta, pequena, foi o suficiente por hoje. Minhas mãos já estão velhas para acompanhar teu ritmo. Sente-se junto ao teu pai.
O barão já havia ouvido vários pianistas, mas nada se comparava aquela menina. O restante da visita foi formal. Até o momento em que o senhor Van Kirsh e Johann foram ao escritório.
- Caro Joseph, me perdoe por pedir que tratemos de negócios justamente nesta hora, mas creio que nossa transação seja complicada. – dizia enquanto retirava alguns papeis de um cofre embutido na parede – Como havia lhe instruído, as terras devem estar em meu nome, mas para todos os efeitos, serão usufruídas por outra pessoa.
- As terras que o senhor pretende comprar são de um conde, ele exige que o nome desta pessoa seja revelado. É apenas uma questão familiar, parece que ele possui desafetos com algumas famílias francesas, por isso dificultará a venda caso o senhor não possa lhe dar certeza de que o inquilino não pertença a estas famílias.
- Diga que o senhor Lucian Baudelaire precisa se retirar da França, graças ao comportamento hostil inglês. Estas guerras, apenas loucuras, lhe dou certeza de que não há uma razão plausível para tudo isso.
- Não questiono o que aqueles governantes consideram certo, eles sabem o que fazem.
- Desculpe-me, mas isso tudo é loucura. Meu amigo escolheu deixar sua terra natal por ter atritos com a nobreza, por discordar do conflito armado.
- Estranho, pela fama do senhor Baudelaire, ele é um excelente estrategista. A família vive da arte da guerra há muitas gerações.
- Sim, mas esta já completa setenta anos, ele mesmo disse,é uma guerra que dificilmente será vencida, a batalha vencerá os homens. Ele me pede refugio, apenas isso. Negou-se a ajudar o rei Carlos VI, tornou-se uma espécie de inimigo do reino. Mas eu confio no julgamento de Lucian, ele não se precipitaria a ponto de afrontar o rei sem ter razão.
- De qualquer forma, eu providenciarei todos os documentos até o próximo mês, se o senhor pudesse tratar pessoalmente com o conde adiantaria o processo de compra. Sei que não se sentirá a vontade viajando até a Bavária, mas eu julgo de extrema importância já que o pedido de teu amigo foi tão urgente.
- Sim, quanto antes melhor. O senhor Baudelaire chegará dentro de cinco dias e se hospedará nesta casa. Esperarei uma semana até que meu visitante esteja mais disposto e iremos os dois até a Bavária. Assim não haverá dúvida de que as terras serão compradas por uma pessoa distinta.
- Bem, já está muito tarde, devo me apressar ou a viagem até Dresda será desgastante e perigosa.
- Meu mordomo os acompanhará, desculpe-me a indelicadeza, mas já passa da minha hora de dormir – ele pega uma pequena sacola de couro que estava dentro do cofre – Isso irá lhe auxiliar durante a transação. Quanto mais rápido fecharmos o negócio, maior será o teu pagamento.
- Obrigado, senhor Köhler, saberei cumprir as tuas expectativas.
Joseph desce as escada com a sensação de que Johann estaria logo atrás, mas ao voltar-se não vê nada, apenas um corredor velho com algumas pinturas nas paredes. Ele continua com passos inseguros, sempre observando ao redor para certificar-se de que nenhum mal mortal o atingisse. Apenas tolices, ele havia sido convidado, Köhler não deixaria a casa seguir a própria vontade. Chegando a sala, a família Van Kirsh foi levada até a carruagem e seguiu seu destino.
A cada dia que se passava desde o inicio da guerra entre Inglaterra e França, Köhler via-se obrigado a tomar partido. Não era simplesmente uma rixa entre dois países. Existiam interesses obscuros, pessoas mais poderosas que reis que apenas enviavam ordens aos governos.
- Acalme-se, Johann, não sentirão minha falta na França. Passei os últimos meses trancado em minha casa.
Um homem sai de um canto do quarto, desloca-se próximo as paredes. Possuía dois metros de altura, cabelos longos e negros caiam até sua cintura e, mesmo coberto pela escuridão, percebia-se a pele alva.
- Descanse, senhor, não o esperava, mas é sempre uma honra tê-lo em minha casa. Sinto muito por não recebe-lo adequadamente, mas o servirei da melhor forma possível.
Lucian Baudelaire era o principal nome da Europa. Muitos homens ricos e poderosos o respeitavam e chegavam a trata-lo como um mestre. Dentro da França suas riquezas ultrapassavam as da coroa e, em sigilo mortal, suas decisões políticas estavam acima do rei. Aparentava apenas vinte anos, mas carregava sabedoria em suas palavras e transmitia um ar experiente. Os olhos verdes e opacos carregavam milênios e mágoas.
- Meu bom e fiel amigo Johann, agradeço por tê-lo como meu aliado. Saibas que perdemos muito, se adiantei minha vigem foi por causa de uma traição. – ele senta em um divã próximo a janela – Esperei décadas até este momento, não me permiti adormecer como aqueles que nasceram junto a mim, apenas esperando este dia. Meu pai sempre me disse que tudo seria calmo, lento, mas que cada fato seria um passo até a luta da qual não posso fugir. O clã Braddock nos traiu.
Köhler apóia-se em uma cadeira, senta-se lentamente, sua expressão muda te tal forma que aquele líder seguro da espaço a um homem assustado. Os olhos procuram respostas no rosto do amigo:
- Lucian, como puderam jogar fora o tratado? Aqueles presunçosos! Jogaram décadas de paz fora, como se não fossem nada!
- Eu confesso que não esperava uma atitude diferente de Zilan. Ele tomou as rédeas da família há uma semana, aproveitou-se da guerra entre a França e a Inglaterra, mandou cem homens atacarem meu castelo. Sua inexperiência é enorme, ele realmente acreditou que cem homens de sua guarda comum poderiam me derrubar.
- Satidus nunca permitiria isso! Ele não fez nada?
- Satidus foi morto. – a face de mármore de Lucian é quebrada por uma única lágrima que se precipita de seus olhos – Ainda não descobrimos o que aconteceu de fato, mas encontraram-no em seu quarto, próximo a lareira. Eu recolhi o corpo, ordenei que Zychnyr não deixasse outras pessoas vê-lo. Homens de linhagem antiga guardam muitos segredos em sua morte. Enfim, apenas seguimos o protocolo. Zilan era a criança treinada para suceder Satidus, mas creio que ele não esteja pronto.
- Zilan é apenas um moleque! Demônios! Ele não é capaz de governar a Inglaterra.
Quando o feudalismo foi instalado na Europa, Lucian convocou um conselho para decidir o destino dos vampiros. Satidus considerava o governo humano fraco, por isso projetou uma espécie de estado secreto, comandado por vampiros, disfarçados em famílias nobres. A forma de governo humana não seria alterada, poderia ser uma monarquia, império, democracia, não importava, o real poder estaria nas mãos daqueles que caminhavam entre as sombras. Eles interviriam sempre que o Estado fosse contra os interesses das criaturas da noite.
Cada país teria uma família. Baudelaire ocupou a França, os Braddock tomaram a Inglaterra. Com o tempo, a Inglaterra perdeu poder para a França e Lucian se tornou o líder mais respeitado e temido da Europa. Conflitos começaram a surgir e fugiram do controle dos governantes. A única saída foi um tratado de paz. O novo relacionamento entre os dois países era a menina dos olhos de Lucian e Satidus. O comércio crescia rapidamente, a Alemanha se colocava de forma pacifica com os dois países, já que dependia em boa parte dos produtos ingleses e franceses.
Johann se recompôs, serviu-se uma taça de licor e outra para Lucian.
- Não há muito que possa ser feito agora. Eu tenho imensa honra em recebe-lo, Baudelaire. Fique aqui até que seu país esteja totalmente seguro.
- Aguardo notícias de Caio, ele está voltando da Romênia. Assim que minha criança chegar, iremos reaver minhas terras e acabar com a prepotência de Zilan. Entendo que muito poder em mãos jovens resulte em erros, mas não posso ignorar uma falha como esta.